Abraçado aos comandantes das big techs, Donald Trump voltou à presidência dos Estados Unidos, com o mantra, mais do que nunca, de que a liberdade de expressão é irrestrita.
Qualquer tentativa de controle contra a disseminação de mensagens inverídicas e maliciosas é apresentada como a violação do direito humano mais fundamental.
Não é algo desinteressado, obviamente.
A liberdade de expressão é defendida como se fosse algo que está igualmente ao alcance de todos. Mas não está: o alcance de cada discurso é radicalmente diferente de acordo com os recursos de que se dispõe.
Se eu minto, posso prejudicar meia dúzia de pessoas à minha volta. Mas se essa mentira conta com o endosso de influenciadores, com o impulsionamento das plataformas, com dinheiro de publicidade, com um exército de bots, aí ela pode atingir milhares ou milhões de pessoas, mudar o resultado de eleições, comprometer todo o tecido social.
Criaram-se espaços que substituem os meios de comunicação tradicionais, mas que estão despidos dos mecanismos mínimos de responsabilização aos quais esses meios deviam se reportar.
O discurso em defesa da liberdade para mentir é adotado por aqueles que lucram com ela: os chefes da extrema-direita, aqueles que vivem de enganar os incautos (de coaches a empresa de apostas) e os patrões das grandes plataformas sociodigitais.
Ao mesmo tempo, Trump iniciou o seu governo anunciando várias medidas que comprometem o exercício da liberdade de expressão. Da censura à arquitetura que não seja “clássica” em prédios públicos à proibição de que cientistas discutam seus trabalhos com colegas ou com o público.
Nas plataformas é a mesma coisa. No Twitter, pode tudo, menos aquilo que incomoda Elon Musk. Nas redes de Zuckerberg, o conteúdo antissionista é severamente coibido, na forma seja de sua pouca circulação, seja até mesmo de banimento.
O problema é que atualmente a esquerda está mal situada de forma mundial para defender a liberdade de expressão, que, no entanto, foi historicamente um valor defendido pelos dominados.
A dor global é perceber que os Estados Unidos só salvam o mundo nos filmes de Hollywood, e hoje o mundo precisa se salvar dos Estados Unidos.