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A obsessão dos jovens da Geração Z por padrões estéticos e o medo de envelhecer estão transformando comportamentos e levando adolescentes a recorrerem, cada vez mais cedo, a procedimentos estéticos como a toxina botulínica, técnica mais realizada por pessoas entre 18 e 30 anos, segundo pesquisa. Entenda o fenômeno.
O medo de envelhecer é um dos temas da nossa modernidade. O assunto “etarismo” parece que nunca teve tanto em pauta, só que por mais que o termo tenha, minimamente, se popularizado, a obsessão dos jovens da Geração Z pelos padrões estéticos está transformando comportamentos e levando adolescentes e jovens a recorrerem, cada vez mais cedo, a procedimentos estéticos como a toxina botulínica.
Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) confirmam que a toxina botulínica é o procedimento estético mais realizado entre pessoas de 18 a 30 anos, com um crescimento de 300% nos últimos três anos. Não à toa, a busca pela juventude e perfeição estética foi tão bem explorada no filme A Substância (The Substance), estrelado por Demi Moore.
O filme ficcional parece ser reflexo dos tempos modernos: o desejo obsessivo por uma aparência jovem que leva a consequências assustadoras, expondo as pressões psicológicas e éticas por trás dessa busca incansável. A ficção definitivamente imita a vida e o que temos visto com maior frequência são padrões inalcançáveis de beleza transformando comportamentos e levando adolescentes a recorrerem, cada vez mais cedo, a procedimentos estéticos como a toxina botulínica – que foi apelidada de “preventiva”, atraindo assim, ainda mais, a adesão dos jovens.
A influência das redes sociais na busca pela perfeição
Em A Substância, a pressão por padrões estéticos leva Elisabeth Sparkle, uma guru fitness em declínio de carreira, interpretada com maestria pela atriz americana Demi Moore, a tomar medidas extremas para se manter relevante e “desejável”. Em sua busca por reinvenção, ela recorre a uma droga misteriosa que promete criar uma versão mais jovem e sedutora de si mesma.
Vanessa Hikichi, especialista em tendências na WGSN, empresa líder mundial em tendências de comportamento e consumo, explica: “Nos últimos anos, temos visto um aumento significativo no interesse de adolescentes e jovens adultos por procedimentos estéticos, e isso está sendo impulsionado por uma combinação de fatores culturais e sociais. As redes sociais desempenham um papel central nesse fenômeno. Plataformas como TikTok e Instagram popularizam tendências como ‘Botox in a bottle’, #TeenSkin e #GlassSkin, que incentivam a busca por uma pele impecável e a prevenção do envelhecimento desde cedo.”
Além disso, Hikichi destaca a ansiedade etária entre a Geração Z e os “Zillennials”: “Muitos jovens estão preocupados com os primeiros sinais de envelhecimento e buscam o rejuvenescimento, ou seja, tratamentos preventivos que adiem os efeitos do tempo. Isso se reflete no aumento da procura por procedimentos minimamente invasivos, como o chamado Baby Botox e preenchimentos híbridos, que prometem resultados naturais sem exageros.”
O que dizem as dermatologistas sobre o uso precoce da toxina botulínica
A Dra. Maria Bussade, médica dermatologista pela SBD, reforça a importância de uma avaliação individualizada: “A toxina botulínica tem aplicações terapêuticas e estéticas bem estabelecidas na medicina, mas seu uso preventivo em pacientes muito jovens ainda não tem um embasamento científico sólido. O que observamos hoje é um aumento no interesse de jovens por esse tipo de procedimento, muitas vezes influenciados pelas redes sociais e pelo desejo de evitar qualquer linha de expressão.”
Ela também alerta para os riscos do uso indevido: “A aplicação inadequada pode comprometer a expressão facial e criar um efeito artificial a longo prazo. Por isso, sempre reforçamos que o profissional deve ter conhecimento profundo da anatomia, da musculatura e das camadas da pele para garantir um resultado natural.”
A Dra. Alessandra Romiti, assessora do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), complementa: “A toxina botulínica preventiva funciona para prevenir a formação das rugas estáticas, dos vincos na pele. Mesmo pacientes jovens podem fazer a toxina botulínica preventiva, porque há pacientes que, mesmo bem jovens, têm uma força muscular muito grande. Se não interferirmos, eles vão evoluir vincando essas rugas no rosto.”
No entanto, Romiti ressalta a importância da avaliação médica: “O grande problema é fazer em todo mundo, como se fosse um modismo, sem fazer uma avaliação e um diagnóstico primeiro. Por isso, a importância de consultar um médico dermatologista ou cirurgião plástico para indicar de maneira correta a necessidade da toxina preventiva.”
Os riscos e a ética por trás da tendência
Embora os procedimentos estéticos sejam cada vez mais seguros, os riscos ainda existem, especialmente quando realizados por profissionais não qualificados. Além disso, a normalização dessas práticas pode desvalorizar a diversidade natural e perpetuar uma cultura superficial.
Hikichi alerta para os impactos psicológicos: “Os impactos dessa tendência na saúde mental dos jovens são preocupantes. A exposição constante a padrões de beleza idealizados pode gerar ansiedade estética e insatisfação com a própria imagem, principalmente entre adolescentes que estão em uma fase de desenvolvimento e construção da identidade.”
A Dra. Maria Bussade também chama atenção para os riscos do uso inadequado: “A aplicação inadequada pode comprometer a expressão facial e criar um efeito artificial a longo prazo. Por isso, sempre reforçamos que o profissional deve ter um conhecimento profundo da anatomia, da musculatura e das camadas da pele para garantir um resultado natural.”
A busca por uma aparência jovem e perfeita não precisa ser sinônimo de obsessão. A Dra. Alessandra Romiti defende uma abordagem equilibrada: “O mais importante é a avaliação individual e a indicação correta para cada paciente. O que a gente tem que evitar realmente são esses modismos, essas cópias, esses efeitos de massa das redes sociais, as pessoas buscando tratamentos que não são ideais para ela.”
Vanessa Hikichi sugere que as marcas têm um papel fundamental nessa mudança: “As marcas podem atuar como fontes confiáveis, fornecendo conteúdos educativos e embasados cientificamente. Além disso, é essencial desenvolver produtos apropriados para a idade e adotar transparência radical, evitando edições digitais em campanhas publicitárias.”
A Dra. Maria Bussade finaliza com uma reflexão importante: “O primeiro passo é entender que envelhecer faz parte da vida e que beleza não é sinônimo de ausência de rugas. A medicina deve estar a serviço do bem-estar e da autoconfiança, e não de uma busca incessante pela juventude.”
Ambas as dermatologistas destacam a necessidade de educação e conscientização para equilibrar a demanda crescente por procedimentos estéticos com a saúde e o bem-estar dos jovens. A Dra. Maria Bussade reforça: “É necessária uma maior conscientização por parte de médicos e pacientes sobre esse tema, que vai além da estética e pode envolver questões psíquicas importantes.”
A Dra. Alessandra Romiti complementa: “A ideia de ajudar a promover uma relação saudável com a aparência é principalmente dizendo que cada paciente é um paciente individual, com suas próprias indicações de tratamento e parâmetros de beleza. A partir de um diagnóstico precoce, podemos orientar os jovens de maneira segura e eficaz.”