O filme Geni e o Zepelim, que será gravado no Acre, está no meio de uma situação no mínimo constrangedora. É que a diretora do longa, Anna Muylaert, resolveu transformar a personagem principal – que, no teatro e no longa homônimo Ópera do Malandro, de Chico Buarque, é uma mulher trans – em uma mulher cis. O caso tomou uma repercussão grande nesta semana.
Anna resolveu se pronunciar e decidiu se pronunciar. De acordo com a diretora, durante o processo de criação desse filme, entendeu-se que a letra do Chico poderia ter várias leituras. “Que poderia ser uma mulher trans, que poderia ser uma mãe solteira, que poderia ser uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade, que poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas. E a gente, por uma questão de lugar de fala, escolheu fazer uma prostituta cis na Amazônia”, acrescentando ter sido uma inspiração de Iracema, de José de Alencar.
A diretora reiterou que a ideia não é fazer um transfake. “Mas, diante da reação da comunidade trans, eu quero vir aqui e abrir o debate, jogar a pergunta. Essa letra do Chico, essa poesia, hoje, em 2025, só pode ser interpretada como a Geni, o mito Geni, que é uma energia de bode expiatório só pode ser interpretada como uma mulher trans?”.
Anne perguntou, e as pessoas responderam. A cantora Linniker, uma mulher trans, explicou que, no Brasil em que vivemos hoje, o debate ser aberto como votação já expõe a comunidade de forma grandiosa.
“O Brasil não é um país acolhedor aos nossos corpos e trajetórias, principalmente se tratando de um protagonismo numa produção audiovisual. Todo respeito ao trabalho de Tainá Duarte [que interpretará Geni cis], mas quando trazemos a reflexão em nossos textos desde que saiu essa matéria e nos posicionamos pelo apagamento, é por espaço e oportunidade que nos colocamos, por termos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica e já retratada tantas vezes como uma pessoa trans em montagens pelo Brasil”, diz.
A escritora Eliana Alves Cruz também se posicionou. “Chico lançou essa música em 1979. Neste ano um monte de gente aqui estava nascendo ou nem isso, mas eu era uma pré-adolescente. Todo mundo identificava a transexualidade da Geni. Até nós, as crianças. Geni virou motivo de bullying homofóbico e transfóbico em todas as escolas. Todas… e foi a primeira vez que me atentei para a dor desse estigma”, explicou.