Tarauacá completa, nesta terça-feira, 23, 112 anos de fundação — e entre tantas histórias que marcam a cidade do interior do Acre, uma das mais curiosas é a devoção popular a um personagem inusitado: Amin Kontar, comerciante turco que foi morto injustamente em 1912 e até hoje é lembrado por moradores como uma espécie de “santo padroeiro dos estudantes”.
Amin era um dos primeiros comerciantes da região quando foi acusado de envolvimento em um atentado contra o então intendente Cunha Vasconcelos, conhecido como “Surucucu”. Preso e assassinado, acabou virando símbolo de injustiça — e, com o tempo, objeto de promessas feitas por estudantes em dificuldades. “Tem aluno que diz que passou de ano porque pediu ajuda para ele”, conta o historiador Marcos Vinícius.
A fé no comerciante turco se mistura à religiosidade popular típica da região, que também cultua figuras como São João do Guaripani e Santa Raimunda do Bom Sucesso, outros personagens que morreram tragicamente e acabaram venerados por comunidades locais.

História: uma cidade que nasceu por si só
Diferente de Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, que foram criadas através de atos administrativos, que se baseava na desapropriação de seringais, Tarauacá pela definição do historiador é uma cidade “orgânica”, ou seja, que nasceu por si só. A cidade formou-se como povoado na confluência dos rios Tarauacá e Muru, crescendo em torno de um seringal.
O município é marcado pela grande concentração de comunidades indígenas como os Kaxinawá, Yawanawá e Katukina. A presença delas marca de forma de forma atuante em todo o desenrolar histórico da cidade.
Entre 1904 e 1912, o Estado era dividido em três departamentos: Alto Acre – com sede em Rio Branco, Alto Purus – com sede em Sena Madureira, e Alto Juruá – com sede em Cruzeiro do Sul. A criação do departamento do Alto Tarauacá veio como uma forma de punição após uma repressão das Forças Armadas Brasileiras e, como um dos castigos do Juruá, de Cruzeiro do Sul, houve o desmembramento de boa parte do território, durante a Revolta Autonomista em 1910.

Terra fértil e abacaxi gigante
Mas, como pensar em Tarauacá e não pensar no abacaxi gigante? O historiador Marcos Vinicius explica a razão para esse fato é o solo fértil e plano da região. Inclusive há especulações de levar a fruta para competir por um lugar no Guinness Book, o livro dos recordes.
“Ao longo desse tempo, foi colecionando também suas próprias características, suas peculiaridades. Entre elas, a mais famosa: o abacaxi gigante. Tarauacá Tem uma região de terras raras ali que proporciona esses vegetais gigantes, como o abacaxi e outras frutas, outros vegetais”, explica.

Cultura e música: berço de artistas e palcos antigos
Tarauacá é reconhecida como um celeiro de talentos culturais. De lá saíram músicos como Bruno Damasceno, Arão Prado e até Donizete, um dos autores do Hino Acreano. Além dos empresários Roberto Moura e Édson Oliveira. Já no início do século 20, a cidade contava com peças teatrais locais, como a famosa Almacriano, encenada no antigo teatro municipal.
“Era uma cidade musical, onde as famílias se reuniam para tocar. Muitos músicos do Acre vêm dali, inclusive para tocar em orquestras fora do estado”, destaca o historiador.

Comida, bicicleta e guarda-chuva: tradições que encantam
Além da importância histórica, Tarauacá se destaca por suas peculiaridades. Entre elas, a criatividade culinária: o quibe de arroz, uma variação local do quitute árabe, é feito com arroz e carne moída, não é frito e pode ser encontrado à tarde, vendido em frente às casas. “É uma delícia, e totalmente diferente do que se come no Alto Acre”, diz o historiador.
Outra tradição curiosa envolve o uso da bicicleta. Por ser uma cidade muito plana, o transporte mais comum é o pedal — mesmo em dias de chuva, quando os moradores se equilibram com um guarda-chuva na mão. “O povo não abre mão da bicicleta. É uma cena típica de lá”, destaca Marcos.