O Ministério Público Federal (MPF) emitiu, ao governo do Acre, uma recomendação para a instalação, em 90 dias, de uma comissão para resgatar as memórias das violações cometidas pela ditadura militar no estado.
A criação da Comissão Estadual de Memória e Verdade, como deverá ser chamada, foi proposta pelo procurador da República Lucas Costa Almeida Dias. Ele lembra que o Acre também foi palco de perseguições políticas, violências, ameaças e até assassinatos cometidos pelo regime de exceção, que durou de 1964 até 1985.
No Acre, a ditadura militar forçou a renúncia do primeiro governador eleito democraticamente, José Augusto Araújo, do partido PTB, dois anos após o então território ser elevado à categoria de estado.
Lucas Dias argumenta que o Acre, assim como outros estados da região Norte, sofre até hoje os prejuízos econômicos, sociais e ambientais do modelo de desenvolvimento imposto pelos cinco ditadores militares.
Esse modelo foi baseado na expansão, sem freios, da agropecuária, que resultou em desmatamento e expulsão e morte de povos indígenas, seringueiros e demais trabalhadores rurais de seus territórios tradicionais.
Um episódio que retrata esse período de exceção foi o assassinato, em 1980, do ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Brasiléia, Wilson Pinheiro, aos 47 anos, por latifundiários locais.
“O assassinato de Wilson Pinheiro foi reconhecido pela Comissão Nacional da Verdade como decorrência de ação de agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos que eram promovidas pela ditadura militar”, informou a assessoria de comunicação do MPF/AC.
Na recomendação, o procurador da República cita outras vítimas do contexto socioeconômico e ambiental criado pela ditadura militar no Acre. São eles: Maria Lúcia Araújo, Ariosto Pires Miguéis, Hélio Cézar Khoury, Demóstenes Coelho, João Moreira de Alencar Borborema, Elson Martins, Lourival Messias de Oliveira, Manoel Alves Carneiro, Epaminondas Jácome Rodrigues, Hiamar Pinheiro, Chico Mendes, entre outros.
Governo responde
O governo do estado comunicou ao MPF não haver, no momento, intenção de implementar a comissão estadual, sob o argumento de que a lei que instalou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2011, já teve seu prazo de funcionamento encerrado e que o decreto que regulamentava essa lei já foi revogado.
O MPF reagiu. O órgão informou, por meio da assessoria, que “o prazo estabelecido na lei (dezembro de 2014) para a conclusão dos trabalhos se refere unicamente à data final das atividades da própria Comissão, e não a um limite temporal para a efetivação das políticas públicas pautadas em seu relatório final”.
Se saísse do papel, a comissão seria composta Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPAC), Arquivo Público Estadual e Nacional, Comissão de Anistia, Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Universidade Federal do Acre (Ufac), Instituto Federal do Acre (Ifac), Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Acre (Sasdh) e a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp).
“Além disso, também é recomendado que a Comissão promova audiência pública para resgatar a memória dos fatos ocorridos no período da ditadura militar, por meio da coleta de depoimentos das vítimas e seus familiares, com a participação de docentes da Universidade Federal do Acre, historiadores de reconhecida idoneidade, autoridades públicas e representantes da sociedade civil organizada”.
O governo tem o prazo de um mês para informar se acata ou não a recomendação. Se negar novamente, terá de apresentar as razões para o não acatamento, sob pena de receber medidas judiciais cabíveis.
*Com informações do MPF/AC