O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação na Justiça Federal contra a União para que sejam adotadas, com urgência, medidas efetivas de combate e prevenção ao bullying praticado contra estudantes LGBTI+ nas escolas brasileiras. A iniciativa surge diante do que o órgão classifica como um cenário pandêmico de violência e discriminação nos ambientes escolares.
Dados da Unesco mostram que o bullying está presente em 100% das escolas brasileiras, colocando o Brasil como o 4º país do mundo com mais casos registrados em 2023. No mesmo ano, mais de 120 mil atas notariais foram lavradas para comprovar ocorrências de bullying e cyberbullying, o que representa um aumento médio de 12% ao ano.
De acordo com o projeto Transgender Europe (TGEU), o Brasil lidera, há 16 anos consecutivos, o ranking mundial de assassinatos de pessoas LGBTI+. Em 2023, foram registradas 230 mortes violentas, sendo 184 homicídios e 18 suicídios. A cada 34 horas, uma pessoa LGBTI+ é morta no país, muitas vezes em contextos marcados por agressões e preconceito iniciados ainda no ambiente escolar.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, destaca que não há atualmente políticas públicas federais destinadas ao enfrentamento dessa realidade, especialmente no espaço escolar, que deveria funcionar como ambiente de acolhimento e transformação social.
Pesquisas revelam que 86% dos estudantes LGBTI+ se sentem inseguros nas escolas, índice que sobe para 93% entre pessoas trans e travestis. Entre os que relataram agressões verbais, 73% foram atacados por conta da orientação sexual e 68% pela identidade de gênero. A violência física atingiu 27% e 25% desses jovens, respectivamente.
A ação do MPF detalha os impactos do bullying LGBTIfóbico, que vão desde evasão escolar até graves problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e risco de suicídio. Um dos casos citados é o de um menino de 12 anos, que se suicidou em Vitória (ES) após sofrer agressões homofóbicas dentro da escola. Em carta deixada à família, o jovem pedia desculpas e questionava o motivo das humilhações que enfrentava.
O MPF sustenta que o Ministério da Educação (MEC) vem sendo omisso ao não coordenar de forma eficaz a implementação do Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), instituído pela Lei nº 13.185/2015. Segundo o órgão, não há relatórios bimestrais publicados nem ações específicas para enfrentar a violência contra a população LGBTI+ nas escolas.
Em resposta a questionamentos feitos em procedimento instaurado pelo MPF, o MEC afirmou que a responsabilidade seria das instituições de ensino e mencionou apenas a contratação de consultoria para a elaboração de um caderno temático sobre direitos LGBTI+. O MPF considera essa resposta insuficiente diante da gravidade da situação.
A investigação do MPF identificou ainda que a maioria das instituições de ensino federais, estaduais e municipais não possui qualquer projeto voltado ao combate ao bullying contra estudantes LGBTI+, o que reforça a omissão do governo federal.
Pedidos da ação:
Na ação, o MPF solicita que a Justiça obrigue a União a:
- Produzir e publicar relatórios bimestrais sobre o bullying nas escolas, com ênfase na violência LGBTIfóbica, no prazo de 90 dias;
- Criar, em 120 dias, grupo de trabalho com participação da sociedade civil e especialistas para deliberar ações de enfrentamento;
- Realizar audiência pública nacional em até 180 dias para elaborar um Plano Nacional de Combate ao Bullying LGBTIfóbico;
- Apresentar relatórios semestrais com medidas adotadas e metas futuras.
Ao final, o MPF pede a condenação da União para:
- Criar campanhas educativas e de conscientização voltadas à erradicação do bullying LGBTIfóbico;
- Elaborar uma Política Nacional de Proteção a Crianças e Adolescentes LGBTI+ em ambiente escolar, com capacitação contínua de profissionais da educação;
- Pagar R$ 5 milhões por dano moral coletivo, valor que deve ser revertido em ações de promoção dos direitos da comunidade LGBTI+ e incentivo à educação em diversidade e direitos humanos.