O caso do chow-chow Jacke — submetido à eutanásia após morder o rosto da tutora, a técnica de enfermagem Natani Santos, natural de Rio Branco e, atualmente, moradora de Ji-Paraná (RO) — trouxe à tona uma pergunta difícil: o que fazer para manter a boa convivência com um cachorro e evitar desfechos extremos como esse?
Especialistas são unânimes ao afirmar que episódios de agressividade não surgem do nada. Eles estão, muitas vezes, ligados a fatores evitáveis.
Valorizar a socialização do cão, saber identificar os primeiros sinais de agressividade, investigar um possível foco de dor e permitir que o cão tenha hábitos caninos diários, como farejar, caminhar e ter contato com outros cães. Esses são os cuidados básicos que os donos de cachorros devem ter para não transformar a boa convivência em dor de cabeça e até em isolamento social em alguns casos.
A seguir, veja as principais orientações para garantir uma convivência segura e saudável com seu cão — protegendo a saúde mental da família e o bem-estar do animal.
1. Socialização não é luxo, é necessidade
A veterinária comportamental e adestradora Marcela Barbieri afirma que, para o cachorro ser saudável e equilibrado, ele precisa ser cachorro. Isso inclui passeios diários, liberdade para farejar e interagir com outros cães.
“Não vejo nenhum problema em usar a expressão ‘mãe de pet’, contanto que você encare que ele é um filho canino. É cão, é cachorro. Ele precisa ter atividades caninas. Isso é fundamental para o cão ser saudável, sociável e equilibrado. Isso envolve passeios diários, farejar e trocar sinais com outros cães”
A socialização deve começar cedo — idealmente nos primeiros 18 meses de vida. Mesmo antes da vacinação completa (antes dos 4 meses), é possível expor o filhote ao mundo com cuidados extras.Por isso, Barbiere não condena totalmente o uso de carrinho para cachorro, por exemplo. O acessório pode ser útil em casos de animais com problemas de locomoção ou quando o filhote não tomou todas as vacinas.
“É melhor que, nesses casos, o cão saia num carrinho de casa do que não saia, por exemplo. Mas eu acho muito equívoco usar o carrinho num cão saudável, que poderia estar passeando, cheirando, farejando, só para que ele não se suje”, afirma.
2. Treinar é cuidar — não punir
A adestradora comportamental Daniela Prado reforça que a maioria dos ataques é consequência de uma comunicação falha entre cão e tutor.
“O treinamento ensina uma linguagem comum e cria regras claras do que pode ou não pode. Isso dá segurança para o animal e para a família.”
Segundo ela, são necessárias cerca de seis semanas de treino para o cachorro entender os comandos básicos — e mais seis para consolidar o hábito de obedecer. O ideal é que o adestramento seja mantido ao longo da vida.
“Assim como aprender a ler, o treinamento é uma prática para a vida toda, e quanto mais o tempo passa, melhor o cachorro fica. Para a fase inicial, quando o cão tem que aprender essa nova linguagem, são necessárias em torno de seis semanas de treino. Depois, para que ele entenda que deve obedecer sempre, e crie a rotina de esperar as instruções do dono antes de agir, mais umas seis semanas”, explica Prado.
Animais que são adotados já na fase adulta também podem passar por adestramento e socialização com o novo dono, com bons resultados. Mas os tutores precisam entender que será exigida uma energia nesse processo, que pode durar meses.
“O cão não é uma pelúcia que a gente compra no impulso. Toda família precisa estar de acordo na recepção do cachorro e entender a responsabilidade que ele vai demandar. Que ele precisa de uma boa alimentação, uma boa rotina”, defende a veterinária.
Os especialistas explicam que a noção da necessidade de se adestrar o cachorro ainda não é muito popular no Brasil. Muita gente não vê importância nisso, considera uma “maldade” e não acredita no quanto é melhor para o cão ser treinado do que não ser.
3. Mudança de comportamento? Pode ser dor
Se um cão dócil começa a rosnar, morder ou evitar contato, o primeiro passo deve ser investigar a saúde física.
“A dor é um gatilho muito comum para comportamentos agressivos”, explica Barbieri.
Nesses casos, a prioridade deve ser levar o animal ao veterinário, com avaliação clínica e, se necessário, o início de um tratamento. Só depois disso o adestramento ou reabilitação comportamental deve ser considerado.
4. Raça não define tudo
Embora certas raças tenham traços comuns, como energia mais alta ou menor sociabilidade, não se pode prever o comportamento de um cão só pela aparência.
É por isso que os especialistas reforçam: todos os cães, de todas as raças, precisam dos mesmos pilares — socialização, rotina adequada, estímulo mental e vínculo com o tutor.
5. Sinais de alerta antes do ataque
Segundo Barbieri, os cães raramente atacam sem avisar. Veja alguns sinais que podem indicar estresse ou desconforto:
- Rabo mais rígido e com movimento lateralizado
- Lambedura dos beiços
- Exposição do branco dos olhos
- Bocejos repetidos
- Pelos arrepiados
- Cabeça abaixada
- Piscar lento
Ignorar esses sinais pode aumentar o risco de episódios agressivos.
G1 Saúde