Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre

Foto: Sitoakore

Por: Tácita Muniz

No coração da Amazônia, mais de 30 terras indígenas do Acre abrigam comunidades que, ao resgatar suas narrativas ancestrais, se tornam referências em um setor econômico promissor: a bioeconomia.

Mais do que a produção de bens materiais, essa abordagem integra práticas como a agricultura sustentável, o artesanato tradicional e diversos elementos culturais, como os festivais, valorizando tanto os aspectos tangíveis quanto os imateriais de suas tradições.

O impacto vai além do desenvolvimento econômico e fortalece a proteção da Amazônia, promovendo um modelo sustentável de crescimento e garantindo a participação ativa dos povos indígenas nas decisões que moldam seu futuro.

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre
Foto: Sitoakore

“A expansão da cultura indígena no mercado vai muito além da simples transação econômica, representa uma oportunidade de valorizar a diversidade, empoderar povos originários, promover a sustentabilidade e enriquecer o mercado com produtos e saberes únicos”, define Xiú Shanenawá, coordenadora da Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (Sitoakore).

À frente desta organização, o objetivo é empoderar as mulheres indígenas que encabeçam a produção do artesanato e da moda ancestral.

“As mulheres indígenas do Acre têm se organizado de diversas maneiras em relação ao artesanato, visando fortalecer sua cultura, gerar renda e promover a autonomia”, completa ao enfatizar que, embora não focada exclusivamente no artesanato, a organização desempenha um papel importante no apoio e na articulação das mulheres indígenas, incluindo artesãs, na defesa de seus direitos e na promoção de suas atividades econômicas e culturais.

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre
Foto: Sitoakore

A Sitoakore e a Associação de Artesãos Indígenas do Vale do Juruá reúnem artesãos da região, incluindo mulheres que produzem tecelagens, cestarias e biojoias.

“Isso busca fortalecer a produção cultural tradicional, melhorar a qualidade dos produtos e encontrar mercados para a venda, visando aumentar a renda das artesãs e suas famílias”, destaca a coordenadora.

Para ela, esta é uma maneira de os indígenas resgatarem suas vozes e serem referência.

“Acredito fortemente que o fortalecimento da moda indígena é uma forma poderosa de os povos indígenas resgatarem sua cultura e se tornarem donos de suas narrativas. Essa manifestação artística e cultural transcende a simples vestimenta, carregando consigo história, identidade e cosmovisão.”

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre
Sitoakore

‘Receita econômica’

Nedina Yawanawa foi uma das precursoras deste movimento no Acre e o define como uma receita econômica dentro das comunidades, que tem se fortalecido ainda mais com a maior divulgação dos festivais indígenas.

“A venda dentro dos territórios no período de vivência e festivais avançou bastante, se tornando uma prática dentro desse período de um dia dedicado para exposição de artesanato e fica exposto para o público. Todas as artes alcançaram um espaço dentro da comunidade indígena e também de procura, porque todo visitante quer levar uma lembrança daquele momento da sua vida, da imersão”, explica.

Ela diz ainda que esta é uma economia dentro do território que supre as necessidades das famílias, que, ao venderem seu artesanato, o dinheiro é revestido em estruturas dentro das aldeias.

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre
Josciney Bastos/Secom

Entre 2018 e 2019, Nedina passou a usar o grafismo dos Yawanawa nas roupas, simbolizando e fortalecendo a cultura indígena.

“Pensei em fazer isso porque temos desenhos com significado e o meu povo estava usando a roupa de outros povos, então tive a ideia de trabalhar os desenhos mais populares, usados no Mariri, nos rituais de comemoração e comecei a pintar nas roupas. Foi uma ideia partida da necessidade de valorizar os desenhos Yawanawa e não os desenhos de outros povos”, relembra.

Esse potencial chegou a ser reconhecido por grandes marcas, como Chilli Beans, Farm Brasil e uma empresa norte-americana através da produção do urucum.

“É muito importante a gente ver que esse avanço das comunidades indígenas no desenvolvimento sustentável através da sua essência, da sua cultura, é algo esperado. Os povos indígenas têm essa tendência hoje de fazerem seus próprios negócios, mas, claro, sempre com cuidado em não ferir os direitos coletivos.”

Um movimento que vem sendo seguido pelos mais jovens. Em Mâncio Lima, na terra dos Puyanawa, Carol Puyanawa é comunicadora indígena e também tem uma loja que vende artesanatos indígenas. Nas redes sociais, ela é uma voz para quebrar estereótipos e fortalecer a cultura do seu povo.

“O artesanato indígena carrega história, tempo e ancestralidade. Hoje em dia, o tempo é algo valioso e uma peça pode levar de 12 a 16 horas para ser produzida, às vezes até dias ou meses, dependendo da complexidade. Cada arte carrega nossos grafismos, que possuem significados profundos, e expressam a representatividade e a força de nossa ancestralidade. Ao adquirir uma peça indígena, a pessoa está levando mais do que um produto, ms também proteção, boas energias, força e uma história milenar que atravessa gerações”, completa.

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre
Foto: Cedida

Encontro inclusivo e debates

Durante o Abril Indígena, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) realizou o 1º Encontro dos Povos Indígenas. O evento focou em criar oportunidades para que empreendedores indígenas desenvolvessem suas habilidades, ampliando o acesso aos mercados e consigam encontrar caminhos mais acessíveis para financiamento e apoio técnico.

O encontro, que ocorreu no auditório do Sebrae, contou com palestras, oficinas de artesanato tradicional, rodas de conversa, apresentações culturais, feira de produtos, exposição de arte, gastronomia típica, além de jogos e esportes tradicionais.

A analista do Sebrae, Julci Ferreira, o evento representou um marco na valorização das culturas originárias e na construção de um ambiente de negócios mais diversificado e representativo. “Essa iniciativa promove o respeito às tradições dos povos indígenas, além de fortalecer sua identidade, gerar renda e contribuições a integração entre as comunidades”, defendeu.

Com moda ancestral, indígenas potencializam bioeconomia ao mesmo tempo que fortalecem identidade cultural no Acre
Carol Puyanawa – Foto: Cedida

O estado do Acre se prepara para sediar um evento de grande relevância: o Seminário Internacional Txai Amazônia. Com o objetivo de promover discussões e reflexões sobre a sociobiodiversidade, a bioeconomia regional, o desenvolvimento econômico e a ancestralidade, o encontro reunirá, no eAmazônia, em Rio Branco, de 25 a 28 de junho, lideranças da Amazônia Legal (Brasil), Peru e Bolívia.

A realização do seminário no Acre ganha ainda mais relevância ao ser vista como uma etapa de preparação para os debates na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que neste ano será realizada no estado do Pará.

Sair da versão mobile