Imagine que existam ideias que, caso fossem postas em prática, se transformariam em empreendimentos revolucionários. Ideias que, com um pouco de ajuda, poderiam mudar histórias, vidas e modos de se fazer comercializações. Imagine também que, para isso, é necessário um apoio, algo que dê o pontapé.
O sonho – e por vezes, a genialidade – foi o que motivou dois jovens acreanos a quererem mudar as vidas da comunidade local. De um lado, um pesquisador, que desenvolveu produtos nanobiotecnológicos com matéria-prima da Amazônia, de modo sustentável, sem agredir à natureza e às comunidades que vivem dela; do outro, um homem que viu no mercado honesto uma oportunidade de mudar as relações. Ambos, no entanto, têm algo em comum: justamente, o sonho. E, neste sábado, 17, A GAZETA conta a história destas duas ideias.
Da pesquisa universitária à biotecnologia de impacto com DNA amazônico
A startup acreana Amazon Nano Forest é um exemplo de como a ciência pode sair dos laboratórios e gerar impacto direto na vida das pessoas e na economia local. De acordo com o diretor geral e co-fundador da startup, o graduando em Farmácia e Sistemas de Informação Kauã Macedo, a empresa nasceu da inquietação com o destino das pesquisas científicas da Universidade Federal do Acre (Ufac) que, após anos de estudo e desenvolvimento, muitas vezes, acabavam sem aplicação prática.
“Percebemos [Kauã e o orientador, professor Fernando Drummond] que aquelas pesquisas [feitas no laboratório na universidade] não estavam indo para lugar nenhum, e, assim que terminava esse processo de mestrado, ou doutorado, ou apenas iniciação, [as pesquisas] basicamente eram engavetadas e não surtiam efeitos na sociedade”, explicou, acrescentando que, naquele momento, orientando e orientador perceberam que existia, ali no laboratório, uma possibilidade de transformação para algo real. “Que podia impactar pessoas de verdade através de um negócio, transformando a pesquisa em uma empresa e colocando as soluções do mercado”.


A nanotecnologia, segundo Kauã, é a manipulação da matéria na escala nanométrica, de modo que o grande diferencial dela é que a matéria, quando atinge uma escala muito pequena, detém de novas propriedades. “Um medicamento, por exemplo, pode ter uma ação X na escala normal – macro -, mas, na escala nano, ele já tem outra ação”, enfatizou, acrescentando ainda que, no laboratório, conseguiu potencializar ações já existentes.
“Além de conseguir fazer bastante coisa com muito pouco. Um exemplo são os ativos naturais: com uma quantidade razoável de óleo – como óleo copaíba -, a gente consegue fazer uma quantidade bem grande de produtos, pelo fato de ser nanotecnológico. Então, a concentração de óleo em cada produto vai ser muito baixa, mas, diferente do que a gente imagina, a concentração baixa não significa que os efeitos dele vão ser baixos. Na verdade, os efeitos dele vão ser muito mais fortes do que até mesmo se tivesse concentrado”.
Respeito à comunidade e à natureza
A sustentabilidade também é um pilar inegociável da operação. A empresa compra sua matéria-prima diretamente de comunidades extrativistas, em locais como Mâncio Lima e Cruzeiro do Sul, garantindo práticas sustentáveis de manejo e valorizando a economia local. “Queremos inverter a lógica de exploração. Em vez de vender a floresta em forma bruta, queremos transformá-la em produtos de alto valor agregado, gerando renda justa para quem vive dela”, pontua, acrescentando ainda que a ideia é procurar ainda mais comunidades para fazer este trabalho.
Segundo Kauã, um dos grandes diferenciais da empresa é o respeito pela ética e sustentabilidade, já que os profissionais que atuam na startup buscam ativos naturais e extrativistas de comunidades e cooperativas que já trabalham com a matéria de forma sustentável, sem agredir o ambiente. “Com o controle de estabilidade e controle de manejo de todo o seu material. Além disso, a gente consegue incentivar a economia socioambiental dessas comunidades comprando o material deles. Como uma grande quantidade de demanda de produtos não necessita de grande quantidade de material natural, não agredimos a floresta e temos um produto altamente escalável”.
O produto mais vendido da empresa é o Nano Caphair, um tônico capilar natural com óleo de açaí, pimenta, orégano, folhas de manga e vitamina E. “Ele é indicado para estimular o crescimento dos fios e combater a calvície, e já conquistou homens e mulheres que buscam soluções mais naturais e eficazes para a saúde dos cabelos”, explicou Kauã. O sérum facial, feito com ouro 24k, também se destaca. “Esse ouro é extraído de resíduos eletrônicos, o que estimula a reciclagem”.



Ao ser questionado sobre o apoio que recebeu, Kauã citou uma instituição: “Sem o Sebrae no Acre [Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Acre], a empresa simplesmente não existiria, não teríamos nem começado. Desde bolsas para empreendedores até mentorias e acesso a eventos, foram eles que nos ajudaram a transformar uma ideia em realidade”, afirma o CEO, com gratidão.
Almo: o minimercado autônomo
A Almo é mais uma ideia que nasceu a partir do “sonho de alguém”. A startup opera minimercados autônomos – aqueles em que não há a necessidade de funcionários para atendimentos e o cliente faz as compras de forma autônoma, com tecnologia – localizados em condomínios.
A ideia nasceu em 2022, quando o empreendedor acreano Kaio Almeida foi pedir a noiva em casamento e se hospedou em um hotel, no Rio de Janeiro, que funcionava com um modelo de mercado baseado na honestidade. “Fiquei encantado com a proposta e comecei a pesquisar formas de adaptar o modelo com tecnologia. Voltei com a cabeça fervilhando e decidi fazer acontecer”, conta.
Sem investidores ou grandes recursos iniciais, ele se uniu ao cunhado, Luiz Figueiredo. Juntos, venderam o carro, usaram uma rescisão trabalhista e até o limite do cartão de crédito para colocar a ideia de pé. Logo depois, chamaram Lucas Felix, amigo de longa data, para ajudar na implantação. Lucas também se apaixonou pela proposta e se tornou sócio. Na sequência, o investidor Diego Firmino passou a integrar o time, acelerando a expansão da Almo.



Tecnologia e segurança a serviço da conveniência
Com operação baseada em tecnologia IoT, uma rede de objetos físicos conectados à internet, equipados com sensores, software e outras tecnologias para coletar e trocar dados, a Almo combina sistemas próprios e de parceiros para automatizar desde o acesso ao espaço até o pagamento das compras. Em condomínios fechados — foco inicial da startup —, a integração com os sistemas de controle já existentes garante uma operação segura e prática.
“A tecnologia permite saber quem entrou no minimercado, em qual horário e o que foi comprado. Isso gera confiança para os moradores e segurança para o negócio”, explica Kaio.
A escolha de iniciar em condomínios fechados não foi aleatória. Além de permitir um controle mais efetivo, o modelo se mostrou altamente receptivo entre os moradores. Com a conveniência de ter um minimercado ao lado de casa, sem precisar sair ou enfrentar filas, o retorno tem sido extremamente positivo.
Com quase três anos de operação, a Almo agora mira novos horizontes. “Queremos terminar 2025 com, pelo menos, 10 unidades implantadas e já estamos expandindo para fora do Acre. A longo prazo, sonhamos em ser referência no modelo de mercado autônomo em toda a região Norte”, afirma.


Kaio também não poupou elogios ao Sebrae no Acre. “Lá em casa, o foco sempre foi estudar, se formar e passar em concurso público. Mas meu sonho era empreender”, explicou, acrescentando que sem padrinhos ou investidores iniciais, ele encontrou no Sebrae a estrutura e o apoio necessários para começar. “O Sebrae foi a minha escola. Me deram formação, orientação e motivação. Saímos até em rede nacional. Foi um divisor de águas. Muito do que somos hoje, eu devo ao que aprendi lá”.
Apoio no primeiro passo
O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Acre (Sebrae no Acre), desde 2012, tem atuado na criação e fortalecimento de um ambiente favorável à inovação. Até o momento, foram 238 ideias de negócios inovadores mapeadas.
De acordo com Jorge Freitas, gestor de Projetos de Ecossistemas de Inovação do Sebrae no Acre, das mais de 230 ideias de negócios, aproximadamente 50 estão operando ativamente e gerando receita, algumas até com presença fora do estado. Ele acrescenta ainda que o conceito de startup adotado pelo Sebrae vai além da simples abertura de empresas:
“Startup não é um tipo de empresa, é um modelo de negócio baseado em inovação, escalabilidade e validação constante. O foco é lançar rápido, errar rápido, corrigir rápido e crescer de forma sustentável e replicável, muitas vezes usando tecnologia.”
Esses números são ainda mais significativos se considerada a realidade local. “Mais do que o tamanho geográfico ou populacional do Acre, o que pesa é a cultura empreendedora. Infelizmente, ainda temos uma tradição muito forte voltada para o serviço público. Criar um ambiente que estimule a inovação e o empreendedorismo é um desafio que leva tempo e exige muitas mãos”, explica Freitas.
Raízes na economia criativa
O trabalho com startups no Sebrae no Acre começou de forma embrionária, dentro de um projeto voltado à economia criativa. Na época, o movimento cultural local fervilhava, com selos de música independentes e festivais. Isso gerou um ambiente propício para a transição à chamada “economia criativa digital”, impulsionando a digitalização da música e outras formas de conteúdo cultural.
A partir dessa base, o Sebrae passou a estudar o conceito de startups e lançou, entre 2013 e 2014, o primeiro programa de aceleração do Acre voltado para esse tipo de negócio. Desde então, o órgão tem estruturado um processo contínuo de apoio, que inclui mentoria, modelagem de negócios, testes de mercado e programas de tração.

De ideias a negócios escaláveis
Na plataforma Startup Sebrae, lançada em 2023, as iniciativas cadastradas contam com várias ações de suporte, como capacitação, incubação ou aceleração. Os negócios estão classificados em quatro estágios:
- Ideação: ideias ainda no papel, sem validação prática;
- Validação: modelo de negócio e/ou tecnologia em fase de testes;
- Tração: produtos já testados, com primeiros clientes;
- Escala: negócios consolidados, vendendo e expandindo.
Neste sentido, o Sebrae atua como catalisador do ecossistema de inovação no estado, conectando instituições de ensino, governos, empresas e a sociedade civil. “Nosso papel é colocar todos na mesma mesa. Não somos protagonistas, mas temos capilaridade, estrutura e confiança para criar pontes entre os atores”, afirma o gestor.
Como começar?
Para quem tem uma ideia e quer transformá-la em negócio, o Sebrae oferece atendimento presencial em seu espaço de inovação, de segunda a sexta-feira. Lá, especialistas ajudam os empreendedores a modelar a ideia, entender o mercado e iniciar o processo de validação.
“O Sebrae não valida negócios, quem valida é o mercado. O que fazemos é dar ferramentas para que o empreendedor possa testar sua proposta e aprender com os resultados”, reforça Freitas.
Para o gestor, o futuro da inovação no Acre depende da integração entre governo, academia, empresas e sociedade. “Se universidades pesquisarem o que resolve problemas reais, se o governo criar políticas públicas eficazes, e se o empreendedor entender o valor da inovação, vamos transformar a realidade local”, conclui Jorge Freitas.
É comum pensar que sonhos são difíceis de alcançar – de fato, alguns o são; porém, é possível, com apoio, que tudo fique mais leve. Por exemplo, o líder budista Daisaku Ikeda, falecido em 2023, apontava: “Não há nada impossível, pois os sonhos de ontem são as esperanças de hoje e podem se converter em realidade no amanhã!”; além disso, ele ainda acrescentava. “O que faz um sonho impossível é não acreditar nele”.