Ser progressista não é ser permissiva.
Eu nunca tinha ouvido falar nem do MC Poze do Rodo, nem de Leo Lins. Não sou apreciadora de funk, também não gosto da arrogância da maioria dos comediantes que fazem stand up atualmente. Posso ser chamada de “elitista” por essa ignorância – vivemos em um mundo em que está tudo bem se você nunca ouviu falar de Vinicius de Morais, de Mark Twain ou de Beethoven, mas é condenado se não conhece a última dupla sertaneja ou o tiktoker do momento.
Os dois artistas viraram assunto no Brasil, antes da guerra que está se desenvolvendo entre Israel e Irã.
A direita brasileira comemorou a prisão do funkeiro. A esquerda, aplaudiu a condenação do humorista.
Penso que os dois casos envolvem questões complexas sobre a vigência e os limites da liberdade de expressão.
No caso de Poze do Rodo, dois fatos se impõem como acima de qualquer dúvida. O primeiro é que sua prisão foi tornada espetáculo, em desrespeito flagrante aos direitos do preso. Não é surpresa – é o modus operandi da nossa polícia. Mas é condenável do mesmo jeito.
O outro fato evidente é que, sim, suas músicas se enquadram como apologia e incitação ao crime. Serviriam de ilustração dos artigos 286 e 287 do Código Penal. Há o propósito cristalino de aliciar crianças para uma facção criminosa, o Comando Vermelho, e um chamado ao assassinato de integrantes de bandos concorrentes. Não são letras de grande complexidade, muito pelo contrário, logo não é difícil compreender seu sentido. E a ligação do artista com o CV é notória; ele mesmo a declarou ao entrar na cadeia. Ou seja: segundo a letra da lei, não faltam motivos para o MC Poze do Rodo ser preso.
Incrível como a romantização da bandidagem é frequente no Brasil.
Poze do Rodo foi reduzido à cor da sua pela: era negro, logo sua prisão era injusta. Sem ignorar o peso do racismo na forma como ocorreu a ação da polícia, convém não deixar de lado outros atributos do cantor – como dinheiro farto e acesso a advogados de primeiro time, que logo o soltaram e que provavelmente vão garantir sua liberdade por muito tempo, mesmo que crimes mais graves sejam provados. Comparar sua situação à de um negro pobre ou mesmo de um branco pobre é uma prosódia. Enfim, a discussão – importante – sobre preconceito linguístico era, uma vez mais, malversada para dar lugar a uma performance lacradora.
Diante da sensação de insegurança generalizada nas cidades brasileiras, encontra-se a dificuldade para combater o punitivismo, o amor à truculência e as soluções fáceis divulgadas pela “mídia” e o esforço do discurso mais complexo sobre segurança pública, que inclua uma perspectiva social e os direitos humanos.
Em defesa do MC Poze do Rodo pediram o sangue do comediante Leo Lins.
Honestamente penso que a “arte” dos dois artistas evidencia dois escrotos. Um faz apologia aberta ao crime organizado o outro conta piadas sem graça, grosseiras, preconceituosas e insensíveis. E como vimos, nenhuma das práticas são crime, no Brasil.