A luta pela autonomia política foi, desde o início do século XX, a principal bandeira dos acreanos. Segundo o historiador e professor Marcos Vinícius Neves, essa causa atravessou décadas de resistência e mobilizações, enfrentando regimes autoritários, rivalidades partidárias e – acredite se quiser! – até campanhas de desinformação, as famosas fake news. A tão sonhada transformação do Acre em estado da federação só foi alcançada em 1962, após 58 anos de reivindicações. Neste domingo, 15, o estado comemora 63 anos de sua emancipação política.
“Desde que o Acre foi anexado ao Brasil e se tornou o primeiro território federal da história brasileira, a conquista da autonomia sempre foi a principal pauta política dos acreanos”, explica Marcos Vinícius. “Eles não podiam eleger seus governantes, não tinham os mesmos direitos políticos dos outros brasileiros. Era como se fossem cidadãos de segunda categoria no seu próprio país.”
Segundo o historiador, já em 1904 surgiram os primeiros movimentos pela autonomia. Em 1910, em Cruzeiro do Sul, e em 1912, em Sena Madureira, ocorreram revoltas autonomistas. A causa ganhou ainda mais força com a criação de jornais e partidos locais, especialmente nas décadas seguintes.

Redemocratização
Com o fim da ditadura de Getúlio Vargas e o início da redemocratização em 1945, o Acre passou a integrar o novo quadro partidário nacional. “Foi a primeira vez que o Acre teve partidos com expressão nacional. O PSD, mais conservador, e o PTB, mais progressista, passaram a dominar o cenário local”, conta Neves. “Guiomard Santos liderava o PSD. Do lado do PTB, estavam os irmãos Passos, em especial Oscar Passos. Eles se tornaram os grandes caciques da política acreana entre 1946 e 1960”.
A rivalidade entre Guiomard e Oscar Passos foi combustível para uma das campanhas mais duras da história local. Em 1954, Guiomard Santos se reelegeu deputado federal com a bandeira de transformar o Acre em estado. “Ele organizou comitês pró-autonomia em todos os municípios acreanos. Era um político muito esperto e articulado. Sabia que essa era a grande causa do povo do Acre”, detalha o professor.
Mas o apoio à proposta estava longe de ser unânime. “Como os dois partidos eram antagônicos, se o PSD defendia a autonomia, o PTB tinha que ser contra”, explica Marcos. “E a campanha foi se tornando cada vez mais agressiva, tanto no Congresso Nacional quanto nas ruas do Acre”.

Fake news
Segundo o historiador, Oscar Passos recorreu a estratégias de medo e desinformação para tentar barrar o avanço da proposta. “Ele dizia que, se o Acre virasse estado, o novo governo não teria nem um palmo de terra para construir um prédio público, porque tudo pertencia à União. Dizia também que o estado ia quebrar porque dependia dos repasses federais e não teria arrecadação para pagar os servidores”, afirma. “Ou seja, as fake news e o terrorismo ideológico não são invenções da política contemporânea. Isso já acontecia aqui há mais de 60 anos”.
Apesar da resistência, Guiomard Santos conseguiu aprovar seu projeto no Congresso. Em 1962, o então presidente João Goulart e o primeiro-ministro Tancredo Neves sancionaram a lei que transformava o território federal do Acre em estado, com a promessa de eleições imediatas.
Guiomard se lançou como candidato ao governo do novo estado. Seu adversário foi o jovem cruzeirense José Augusto de Araújo, do PTB, “um acreano nato que encarnava o lema ‘O Acre para os acreanos’”, recorda Marcos Vinícius. Oscar Passos, por sua vez, optou por disputar o Senado.

O resultado foi surpreendente. “Guiomard era o autor da lei, o líder da autonomia, tinha tudo para vencer. Mas foi derrotado por José Augusto, justamente porque o povo queria ser governado por alguém nascido aqui, e não por um mineiro”, afirma o historiador.
Apesar da derrota para o Executivo, Guiomard se elegeu senador — na época, era permitido disputar dois cargos simultaneamente. “Era para ser a grande realização democrática do Acre. Mas durou pouco”, lamenta Marcos. Pouco mais de um ano após assumir o governo, José Augusto foi obrigado a renunciar em decorrência do golpe militar de 1964.
“O sonho da autonomia se realizou com a eleição, mas foi logo frustrado com a chegada da ditadura. Nem Guiomard Santos, que lutou por décadas pela causa, conseguiu consolidar o poder no estado que ajudou a criar”, conclui o historiador.
A história da autonomia acreana, marcada por disputas acirradas, campanhas polarizadas e manobras políticas intensas, revela que os embates sobre poder e representação no Acre são tão antigos quanto o próprio estado. E continuam ecoando até hoje.
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