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Movimentação de dólares em dia de tarifaço gera suspeita; AGU pede investigação

Movimentação de dólares em dia de tarifaço gera suspeita; AGU pede investigação

Dolares-Moeda estrangeira

A movimentação atípica do mercado de câmbio no dia em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou tarifas de 50% sobre a importação de produtos brasileiros elevou suspeita de que pessoas teriam informações privilegiadas a respeito da medida antes de ela ser divulgada. A denúncia foi feita pelo Jornal Nacional nesta sexta-feira (18/7) e, no sábado (19/7), o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, confirmou que foi solicitada investigação à Polícia Federal e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acerca do tema. 

Às 16h17 do dia 9 de julho, o governante americano compartilhou, na própria rede social, a Truth Social, carta destinada a Lula em que impunha a medida econômica. Apesar de até mesmo os assessores mais próximos do republicano terem sido pegos de surpresa, alguns investidores sabiam exatamente o que ia ocorrer antes que fosse concretizado. 

Por volta das 13h30, foram comprados de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões, a R$ 5,46, em movimento de aposta contra o real. Dois minutos depois do anúncio, quando o dólar valorizou, quantidade muito parecida teria sido vendida por R$ 5,60. Esse episódio fugiu do padrão das transações com a moeda brasileira. 

Ao Correio, Eduardo Velho, sócio economista-chefe da Equador Investimentos, explica que, embora a probabilidade de ter havido vazamento seja grande, não há como comprová-la, muito menos identificar as pessoas responsáveis pelo crime, até que seja aberta investigação pela CVM. 

“Realmente foi estranho”, constata. “A gente percebeu na nossa mesa de operação que houve um movimento atípico.” Assim, ele detalha, “cria-se a suspeita, mas não há como comprovar isso, de que houve algum vazamento”. 

Dentre possíveis causas, o especialista esclarece que decisões — como a de imposição de tarifas — são precedidas de reuniões, e que nesses encontros, em que participam muitas pessoas, informações podem vazar. Nesses casos, portanto, não há apenas um suspeito e, mesmo se houvesse, seria muito difícil identificá-lo.  

“Talvez seja fácil, entre aspas, especular que houve um vazamento, mas identificar quem foi é impossível”, afirma. “A decisão não foi tomada na hora que ele (Trump) colocou na rede social” e nem passou somente pelo crivo do presidente americano, mas de todos que participaram de reuniões. 

Dados a respeito de investidores e movimentações ficam disponíveis apenas para corretoras, que inclusive podem ser usadas no processo de disfarce a partir de diversas operações. Além disso, o portador da informação privilegiada “pode pedir para outra pessoa operar” em nome dele. “Não é uma coisa tão fácil de descobrir, não só a pessoa que vazou como a pessoa que operou”, conclui Eduardo.  

“Primeiro há uma denúncia ou a própria CVM identifica uma movimentação estranha”, frisa o economista. Como não há acesso às informações, é preciso “tentar buscar através das operações” o porquê, por exemplo, de uma pessoa ter operado “tanto em determinado dia”, ou o porquê de ter havido “grandes variações de um ativo financeiro que não eram nada esperadas”. Depois, a comissão realiza análise que determina se vale a pena prosseguir para apuração, que pode culminar em consequências. 

“Não é uma coisa tão simples, tão rápida”, devido a possíveis disfarces e “uso de outras pessoas”, como familiares e amigos, para realizar as operações. “São indícios que geram uma investigação, e a investigação pode gerar um processo administrativo.” 

Apesar de volumes muito grandes de dinheiro ou variações não esperadas gerarem suspeita de vazamentos, Eduardo cita outros motivos que podem explicar as alterações. 

Uma das possibilidades seria a de que algumas pessoas já tivessem a ideia de que algo ocorreria. Ele exemplifica: um ou dois bancos podem ter se reunido para montar uma grande operação de compra “achando que poderia acontecer alguma coisa” a partir da noção que já se tinha acerca dos tarifaços anteriores ou das atitudes de defesa de Trump para com Bolsonaro. 

Por isso, o especialista reforça, deve haver provas e, a partir delas, órgão regulatórios devem ver indícios para se chegar a justificativa de que houve vazamentos. 

Na noite deste sábado (19/7), a AGU divulgou nota apontando que pede, em caráter de urgência, investigação a fim de apurar se algum investidor lucrou em operações de câmbio realizadas no Brasil a partir do uso indevido de informação privilegiada.

“Se fosse falar minha opinião”, enfatiza Eduardo, “acho também que houve alguns agentes econômicos que captaram essa notícia, esse evento que aconteceu e parece que houve algum movimento fora do normal na expectativa que acontecesse uma piora”.  

Se comprovado que a movimentação ocorreu devido ao vazamento de informações internas, o especialista esclarece que trata-se de prática ilegal, “quase como se fosse uma manipulação de mercado”. O crime contra o mercado de capitais, segundo a AGU, tem pena de reclusão de um a cinco anos e multa de até três vezes a vantagem obtida, além das devidas implicações administrativas. 

Precedentes 

Antes da movimentação atípica ocorrida no dia do anúncio das tarifas sobre o Brasil, episódios semelhantes haviam ocorrido. Quando, em abril, anunciou taxação contra México e Canadá, o que fez a bolsa de valores subir, Trump escreveu na Truth Social, algumas horas antes, que era “uma hora excelente para comprar”. 

À época, a oposição no Congresso americano afirmou que pessoas próximas ao presidente poderiam estar se beneficiando de informações privilegiadas para atuar no mercado financeiro. Investigação a respeito do tema, solicitada pelos parlamentares, nunca foi para frente.  

Embora não seja uma prática considerada “rotineira”, Eduardo explica que “houve alguns movimentos em alguns momentos que foram considerados suspeitos de vazamento de informações”. 

Entre eles, cita exemplos brasileiros, como a privatização da Telebrás, que gerou especulações e, consequentemente, agitou o mercado semanas antes do anúncio oficial; e a primeira tentativa de reforma da previdência, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que causou rebuliço na semana anterior à votação, devido a vazamento de que haveria pelo menos 50 votos de diferença a favor da aprovação. Nesse último caso, tendo o governo perdido por apenas um voto, muitas pessoas que compraram antes perderam dinheiro.  

Assim, finaliza o economista, o fato de se “saber antecipadamente”, muitas vezes de forma privilegiada, de alguma decisão pode ser usado de diversas maneiras, e para benefício próprio, no âmbito do mercado financeiro. 

Por Correio Braziliense

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