O que antes ficava restrito a álbuns de família hoje circula por milhares de telas. Aniversários, birras, crises de choro e rotinas escolares de crianças são expostos com frequência nas redes sociais — muitas vezes, pelos próprios pais. Esse comportamento tem nome: sharenting, termo que une as palavras em inglês share (compartilhar) e parenting (parentalidade). A prática, comum entre influenciadores e celebridades, também tem se espalhado entre anônimos, gerando debates sobre privacidade, consentimento e proteção à infância.
Esta semana, o Acre se tornou protagonista de um marco jurídico inédito: pela primeira vez no Brasil, um casal foi condenado judicialmente por expor excessivamente a imagem do filho na internet. A decisão, da juíza Maha Manasfi, da 3ª Vara da Família de Rio Branco, ganhou destaque nacional por estabelecer jurisprudência sobre o tema, ainda sem regulamentação específica no país.
Segundo a sentença, os pais estavam publicando vídeos e fotos da criança de forma exagerada e sem considerar os efeitos psicológicos e sociais da exposição digital. A juíza autorizou a divulgação apenas de registros em momentos familiares ou datas comemorativas, proibindo conteúdos fora do “padrão razoável”. A justificativa: a superexposição compromete a “intimidade, segurança, honra, vida privada e direito à imagem” do menor.
Especialistas avaliam que a decisão abre caminho para uma nova abordagem na proteção de crianças no ambiente virtual. A educadora parental Priscilla Montes ressaltou ao portal Metrópoles que “o problema não é só a quantidade de postagens, mas o tipo de conteúdo e a ausência de consentimento. A criança não tem maturidade para compreender o impacto dessa exposição”. Já o diretor escolar Tiago Diana observa que a prática pode gerar consequências como cyberbullying, roubo de identidade e crises de autoestima. “Estamos criando identidades digitais precoces para sujeitos que ainda nem sabem o que isso significa”, alerta.
Embora não exista legislação específica sobre sharenting no Brasil, o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) protege a integridade física, psíquica e moral dos menores, incluindo sua imagem e vida privada. A Constituição Federal também garante a inviolabilidade da intimidade e o direito à indenização por danos causados.