“Só tenho uma casa pra olhar e chorar.” O desabafo do agricultor Gutierrez Ferreira da Silva, morador da Reserva Extrativista Chico Mendes há mais de 20 anos, resumiu o sentimento de dor e indignação que marcou a audiência pública realizada nesta sexrta-feira, 11, na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac). O evento reuniu produtores rurais, autoridades estaduais e federais, e representantes de órgãos ambientais para discutir os impactos dos embargos aplicados em áreas produtivas do estado.
Proposto pela Mesa Diretora da Aleac, o debate teve como objetivo “ouvir quem vive da terra e enfrenta o peso de decisões tomadas à distância”, como afirmou o presidente da Casa, deputado Nicolau Júnior (PP). “A Assembleia está aqui para escutar e construir soluções. Sabemos que o momento é delicado, mas é também uma oportunidade de união”, declarou.
Durante a audiência, relatos de perdas e dificuldades emocionaram os participantes. Gutierrez contou que viu sua vida desmoronar após ser impedido de produzir na área onde nasceu e cresceu. “Me levaram tudo, menos a minha dignidade. E essa, eu não vou entregar.” Ao lado da filha, pediu que o Ministério Público e os parlamentares “conheçam de perto a realidade de quem não vive mais do extrativismo, mas de uma pequena criação, do leite, do peixe”. E reforçou: “Não queremos esmola. Queremos o direito de trabalhar com dignidade.”
Josenildo, outro produtor rural, compartilhou experiência semelhante. “Sempre trabalhei duro, tirando leite, criando animais, sustentando minha família. Hoje, estou morando de favor, juntando dinheiro com amigos pra sobreviver. Meu sonho era dar aos meus filhos o que eu não tive, mas estou vendo tudo desmoronar.”
A advogada Ragna Queiroz, presidente da Comissão de Regularização Fundiária da OAB, afirmou que “a aplicação dos embargos, muitas vezes sem qualquer vistoria presencial, tem gerado insegurança jurídica e consequências devastadoras para pequenos e médios produtores”. Ela destacou que mais de 10 mil famílias são impactadas diretamente, muitas delas vivendo na Reserva Chico Mendes. “São milhares de famílias correndo risco de expulsão, sem apoio técnico ou alternativas práticas. Não se trata de uma ou duas pessoas. São cerca de cinco mil áreas embargadas em todo o estado.”
Entre as propostas apresentadas estão a exigência de vistoria presencial antes da aplicação de multas, a notificação direta do produtor antes da publicação por edital e a criação de um canal digital para apresentação de defesa com provas atualizadas, como imagens georreferenciadas. “É preciso garantir o contraditório e a ampla defesa”, reforçou Ragna.
O ex-deputado Geraldo Pereira fez um resgate histórico da ocupação das terras no Acre. “A legislação ambiental apertou e faliu a indústria mais perigosa do Acre. A agricultura familiar ficou à margem, sem crédito, sem assistência. Os agricultores foram empurrados para projetos de assentamento em condições degradantes.” Para ele, “a criminalização do produtor rural tem que acabar” e o Fundo Amazônia “deveria servir para modernizar a produção, legalizar as áreas e gerar emprego”.
Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre, questionou: “Quem invadiu quem? As famílias já estavam lá antes da criação das reservas. Agora, quem mais trabalha é quem mais sofre.” E criticou o que chamou de “modelo de reserva que impede o crescimento”: “Transformaram a floresta em um sistema socialista onde não se pode ser dono da terra. Isso só gera pobreza.”
Já a superintendente do Ibama no Acre, Melissa de Oliveira, afirmou que os embargos seguem critérios técnicos e são baseados no Código Florestal e no sistema PRODES, com 94,5% de precisão. “As áreas de subsistência, com menos de seis hectares, foram retiradas dos editais justamente para proteger os pequenos.” E concluiu. “É injusto com quem está regularizado ver outros se beneficiarem do ilícito.”
A representante do ICMBio, Flávia Regina, explicou que 19% das famílias da Reserva Chico Mendes estão com áreas embargadas, geralmente por desmatamento acima de 30 hectares. “Há caminhos legais para a regularização, como a apresentação de projetos de recuperação e o uso da Instrução Normativa nº 11/2014.” E destacou: “As associações comunitárias fazem parte do conselho gestor. Esse é o espaço legítimo para buscar soluções.”
O secretário de Meio Ambiente, Leonardo Carvalho, destacou os mutirões de regularização e o atendimento técnico às famílias. “Estamos com o Sigma, o Imac e o Incra atuando juntos. Já recebemos termos de compromisso ambiental todos os dias, que ajudam a suspender os embargos e garantir acesso ao crédito”.
Ao final da audiência, o deputado Nicolau Júnior propôs a criação de um grupo de trabalho com representantes do setor produtivo, sociedade civil e poder público. Também sugeriu a organização de uma comitiva com parlamentares e produtores para levar as propostas a Brasília. “O problema é nosso, mas a solução precisa ser nacional. Vamos em busca de respostas concretas com união e responsabilidade”, concluiu.