Editada em 26 de agosto de 2010, a Lei de Alienação Parental completa 15 anos nesta semana em meio a controvérsias. Criada para proteger o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar, a norma busca coibir práticas em que um dos responsáveis — pai, mãe, avós ou outros — interfere na relação com o outro, seja por meio de críticas, desqualificação ou indução de sentimentos negativos, especialmente em casos de separação ou falecimento.
Críticos defendem sua revogação sob o argumento de que a norma tem sido usada por pais e mães abusivos ou violentos com o propósito de afastar da criança ou adolescente quem denuncia e protege. Para a advogada Laura Santoianni Lyra Pinto, especialista em planejamento patrimonial e sucessório, direito de família e sucessões no escritório Briganti Advogados, o caminho não é eliminar a lei e, sim, fortalecer o sistema de Justiça.
A Lei de Alienação Parental (LAP) completa 15 anos nesta semana com alguns questionamentos. Parlamentares de diferentes visões políticas querem revogá-la por acreditar que a lei vem sendo deturpada. Como vê essa questão?A Lei da Alienação Parental já passou por alterações desde sua criação, mas ainda gera debates entre juristas, psicólogos, movimentos sociais e parlamentares. Os críticos afirmam que, em alguns casos, a norma tem sido usada por agressores para desacreditar denúncias de abuso sexual e violência doméstica. Também questionam a falta de comprovação científica da chamada Síndrome da Alienação Parental, que inspirou a lei. Por outro lado, não se pode ignorar que a LAP é um importante instrumento de proteção a crianças e adolescentes, pois trouxe para o ordenamento jurídico situações antes tratadas apenas como conflitos de guarda comuns. Revogar a lei significaria deixar menores desprotegidos diante de condutas que fragilizam vínculos familiares e afetam sua saúde emocional. A lei não foi criada para favorecer os pais, mas para resguardar o interesse da criança. O mau uso por alguns não pode justificar a perda de uma proteção essencial para tantas famílias.
Pais e mães abusivos ou violentos vêm usando a lei para acusar de alienação parental o pai ou mãe que denuncia o abuso. Como saber quem está com a razão?
Esse é, de fato, um dos maiores desafios na aplicação da lei. Diferenciar uma denúncia legítima de uma acusação estratégica exige análise técnica aprofundada. O Judiciário deve adotar uma postura preventiva, seja advertindo as partes sobre a gravidade da conduta e suas consequências jurídicas, seja determinando acompanhamento psicológico ou psicossocial do suposto alienador e da criança ou adolescente, até que se possa verificar a existência — ou não – da alienação parental. Além disso, os laudos de psicólogos e assistentes sociais têm papel essencial, pois permitem investigar a dinâmica familiar, observar a criança em ambiente protegido e identificar sinais de violência ou de manipulação. Dessa forma, a decisão judicial deve se ancorar em evidências concretas, evitando tanto a revitimização de crianças e adolescentes vítimas de abuso quanto o uso indevido da lei em disputas entre os pais.
Como identificar os casos de alienação parental?
Os sinais podem variar, mas alguns comportamentos são recorrentes. A criança ou adolescente pode começar a rejeitar um dos pais sem motivo aparente, repetir frases negativas, demonstrar ansiedade ou medo antes das visitas, recusar carinho, presentes ou cuidados, além de apresentar queda no rendimento escolar e isolamento social. Do lado do alienador, as atitudes incluem omitir informações médicas ou escolares relevantes, descumprir acordos judiciais, mudar de domicílio de forma constante para dificultar o convívio e até apresentar falsas denúncias contra o outro genitor. É importante destacar que a alienação parental não se caracteriza por um ato isolado, mas por condutas reiteradas que comprometem a relação da criança e/ou adolescente com o outro genitor e afetam diretamente seu equilíbrio emocional e psicológico.
O poder de econômico e político pode influenciar e afastar quem é mais fraco nessa relação. A Justiça e o Ministério Público têm instrumentos para identificar esse tipo de abuso?
A produção de provas é elemento central para a correta aplicação da Lei de Alienação Parental. Não basta a simples alegação: é necessário reunir elementos concretos que permitam ao Judiciário compreender a dinâmica familiar e identificar eventuais abusos. Nesse contexto, os laudos psicológicos e psicossociais têm papel essencial, pois oferecem uma avaliação técnica da criança, do adolescente e dos próprios pais. Uma vez constatada a alienação parental, o juiz, com o auxílio e a fiscalização do Ministério Público, pode adotar diversas medidas previstas na lei, que variam em gravidade e podem ser aplicadas cumulativamente. Além disso, o alienador pode ser condenado a indenizar o outro genitor por danos morais e materiais.
Qual é o lado positivo da lei?
O principal ponto positivo é justamente oferecer instrumentos para identificar e coibir práticas de afastamento injustificado entre pais e filhos, garantindo a preservação dos vínculos familiares. Antes de sua edição, situações de alienação parental, muitas vezes, ficavam sem resposta adequada do Judiciário. A lei trouxe maior visibilidade ao problema. Entre os avanços, destaca-se a possibilidade de criação de espaços de convivência supervisionada nos fóruns judiciais com salas adaptadas com brinquedos, mesas de pintura ou parques, acompanhados por equipes multidisciplinares. Esses ambientes permitem uma interação mais leve e segura entre pais e filhos, especialmente em contextos de alta conflituosidade. Outro aspecto relevante trazido pela LAP é a possibilidade de indicação de peritos particulares, seja pelas partes ou pelo juiz, quando não há equipes psicossociais disponíveis no Judiciário. Essa medida ajuda a reduzir a sobrecarga do sistema, amplia o acesso das famílias que não têm condições de arcar com altos custos dos peritos e evita atrasos processuais decorrentes da escassez desses profissionais.
O que aconteceria se a LAP fosse revogada hoje?
Se a Lei de Alienação Parental fosse simplesmente revogada, abrir-se-ia um vácuo na proteção jurídica das crianças e adolescentes. Condutas de alienação voltariam a ser analisadas apenas como parte de disputas de guarda, sem uma proteção jurídica que permita investigá-las e puni-las de maneira adequada. Isso aumentaria a instabilidade nas decisões judiciais e enfraqueceria a rede de proteção destinada aos menores. Além disso, revogar a LAP não resolveria imediatamente problemas, como a violência doméstica ou os casos de abuso infantil, e pior, paradoxalmente, prejudicaria os direitos das crianças e dos adolescentese ainda, como também daqueles genitores ou familiares que dependem dela para denunciar atos de alienação parental. A solução não está em eliminar a lei, mas em fortalecer o sistema de Justiça, investindo na capacitação de profissionais e na disponibilização de recursos adequados, para que seja possível distinguir de forma precisa casos de alienação parental de denúncias legítimas de violência. Cabe destacar que a alienação parental não configura crime, mas sim, ilícito civil, cuja eficácia depende de provas consistentes e de uma atuação interdisciplinar qualificada. Por isso, a resposta adequada não é revogar a lei, mas aprimorá-la continuamente, por meio de debates legislativos responsáveis e orientados pelo melhor interesse da criança e do adolescente.
Vê outros pontos da lei que precisam ser aprimorados?
Um dos principais pontos que exigem avanço é a criação de critérios mais claros na lei para diferenciar situações de alienação parental de acusações legítimas de violência ou abuso. Nos casos em que coexistem alegações de violência doméstica contra a mãe e os filhos e, ao mesmo tempo, acusações de alienação parental, é essencial que todas sejam investigadas com a mesma seriedade, evitando que a lei seja instrumentalizada como estratégia em disputas de guarda. Outro eixo importante é o fortalecimento das equipes interdisciplinares, com padronização dos procedimentos periciais, evitando que crianças e adolescentes passem por processos de revitimização, como a repetição de entrevistas e exames em diferentes varas (família, infância e violência doméstica). No âmbito Legislativo e Executivo, a realização de audiências públicas é fundamental para ouvir especialistas, órgãos públicos e sociedade civil, criando soluções coletivas. O debate precisa estar sempre centrado no interesse da criança e do adolescente, com base em dados concretos.
Por Correio Braziliense