Transformada em uma espécie de “fast-food” emocional da era digital, a raiva é atualmente uma das emoções mais visualizadas em nosso dia a dia. Pela sua capacidade de gerar engajamentos automáticos nas redes sociais, simplicidade cognitiva e sensação de poder, ela é a rainha das “lacrações”.
A ideia é a de que a raiva se resolve com desabafo — um mito popular sustentado pela ideia de catarse. No entanto, gritar, bater em algo ou escrever posts furiosos acaba alimentando um fenômeno coletivo que, no fundo, é bastante sério em termos de impacto na saúde mental coletiva.
Em uma revisão meta-analítica realizada em 2024, dois pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio realizaram uma análise estatística dos dados combinados de 154 estudos com 184 amostras independentes envolvendo 10.189 participantes que testaram atividades que aumentam ou diminuem a agitação emocional.
Publicado na revista Clinical Psychology Review, o estudo concluiu “que a redução da excitação fisiológica pode efetivamente reduzir a raiva e a agressividade, enquanto o seu aumento não”. Mas isso não significa que a raiva deva ser sufocada, ignorada ou introjetada.
Segundo o estudo, é muito melhor compreender suas causas, validar a emoção e, se possível, resolver os problemas por trás da raiva. Isso pode ser feito por meio de reflexão consciente e evitando a ruminação destrutiva. Nem o esforço físico, útil em outras circunstâncias, é capaz de aliviar o humor irritado nessa hora.
Aplicando a teoria dos dois fatores ao controle da raiva
Diversas pesquisas anteriores haviam abordado a raiva, focando em formas de mudar pensamentos e interpretações, usando a teoria cognitivo-comportamental. Os autores da pesquisa atual, Kjærvik e Bushman, perceberam que faltava uma análise mais extensa sobre o papel da excitação fisiológica.
Por isso, a nova revisão meta-analítica se baseia na teoria dos dois fatores de Schachter-Singer. Conforme esses dois psicólogos norte-americanos, para sentir uma emoção, a pessoa necessita não apenas de uma resposta física (como um coração acelerado), mas também interpretar a reação com base no contexto social e ambiental.
Nesse sentido, o estudo examinou tanto atividades que aumentam a excitação fisiológica (bater em sacos, correr, andar de bicicleta, nadar) quanto as que a reduzem (respiração profunda, atenção plena, meditação, ioga). A ideia é que, para se livrar da raiva, é possível trabalhar em qualquer uma das duas abordagens.
No caso das atividades para reduzir a excitação, técnicas do tipo respiração profunda, meditação, relaxamento muscular e atenção plena se mostraram eficazes tanto em laboratórios quanto em situações da vida real. Os participantes eram universitários, pessoas comuns, criminosos e indivíduos com deficiências.
A descoberta subverteu o senso comum. Após décadas acreditando que “botar pra fora” (aumentar a excitação emocional) ajudaria a diminuir a raiva, descobrimos, com o estudo, que é justamente o contrário: acalmar o sistema nervoso (diminuir a excitação) é o que controla efetivamente a raiva e a agressividade.
Desmistificando a teoria do desabafo da raiva
Mesmo reconhecendo que mudar pensamentos e interpretações (abordagem cognitiva) é uma abordagem eficaz no controle da raiva, os autores reconhecem que nem toda pessoa responde bem a esse tipo de terapia. Por isso, testaram atividades que aumentam a excitação, como boxe, ciclismo e corrida.
De acordo com os resultados estatísticos, essas “atividades de aumento da excitação foram ineficazes em geral e foram heterogêneas e complexas”. Ou seja, apresentaram resultados inconsistentes: às vezes ajudavam um pouco, às vezes pioravam, mas na média geral não serviam para nada.
Um desses ambientes para extravasar a raiva — as populares “salas de raiva”, onde pessoas pagam para quebrar objetos — serviu de inspiração para a pesquisa. “Eu queria desmascarar toda a teoria de expressar raiva como forma de lidar com isso”, explicou a primeira autora Sophie Kjærvik em um comunicado.
Embora mais pesquisas ainda sejam necessárias para esclarecer alguns resultados (como, por exemplo, por que as atividades agitadas se mostraram tão inconsistentes), os pesquisadores afirmam que as técnicas calmantes são mais eficazes no controle da raiva, ainda que seja apenas contar até dez.
A boa notícia, diz Kjærvik , é que “você não precisa necessariamente marcar uma consulta com um terapeuta cognitivo-comportamental para lidar com a raiva. Você pode baixar um aplicativo gratuito em seu celular ou encontrar um vídeo do YouTube se precisar de orientação”, conclui a psicóloga clínica.
Por: CNN Brasil