Manpo-kei é uma palavra japonesa que significa “medidor de 10 mil passos”. Do tamanho de um chaveiro, um dispositivo que leva esse nome foi criado em 1965 por uma companhia de Tóquio, a Yamasa, na esteira dos Jogos Olímpicos de Verão, sediados pelo país asiático no ano anterior. O pedômetro analógico rapidamente se popularizou e ajudou a disseminar a informação de que essa é a medida ideal de caminhada diária para se manter saudável. O número, porém, tem sido desafiado por novos estudos, que mostram benefícios significativos com menos esforço.
Seis décadas de pesquisa sugerem que aumentar o percurso em relação ao habitual, mesmo que em quantidades mais modestas, reduz riscos de doenças cardiovasculares e outros males crônicos. Um estudo recém-publicado no Jornal Europeu de Cardiologia Preventiva, por exemplo, mostrou que, comparado a 2,3 mil passos diários, um acréscimo de 1 mil está associado a 17% menos chance de evento cardíaco grave — redução de 22% de falência cardíaca; 9% de ataque cardíaco, e 24% de derrame em pacientes hipertensos.
A mesma análise descobriu que pessoas com pressão arterial adequada também são beneficiadas quando acrescentam 1 mil passos à média de 2,3 mil. Nesse caso, houve 20,2% menos probabilidade de evento cardíaco grave, sendo a redução de 23,2% de falência cardíaca; 17,9% de infarto; e 24,6% de derrame. O estudo avaliou dados de 72 mil pessoas, do BioBank, banco de informações médicas do Reino Unido.
Mortalidade
Dados semelhantes foram obtidos por um artigo publicado no fim de julho na revista The Lancet Public Health. Nesse caso, ao fazer a revisão de 31 pesquisas com dados de mais de 160 mil adultos, os investigadores da Universidade de Sydney, na Austrália, observaram que caminhar cerca de 7 mil passos por dia está associado à redução de risco de diversos problemas de saúde, incluindo mortalidade por todas as causas (47%).
A pesquisa encontrou ainda uma chance menor de doenças cardiovasculares (27%), câncer (6%), diabetes 2 (14%), demência (38%), depressão (22%) e quedas (28%). Mesmo percursos mais curtos foram benéficos: 4 mil passos por dia, comparados a 2 mil (atividade considerada muito baixa) também diminuíram o risco de todos os desfechos avaliados. “Isso mostra que, mesmo em pequenas quantidades, a atividade física já é benéfica. Para quem é sedentário, começar com atividades simples, como a caminhada, é um incentivo”, acredita Élcio Pires Junior, coordenador de cirurgia cardiovascular nos hospitais da Rede D’Or.
O cirurgião cardíaco observa que metas de atividade física devem levar em consideração o perfil de cada pessoa. “Esse tipo de pesquisa demonstra que devemos colocar a atividade física dentro da realidade física e socioeconômica de cada um”, diz. Mesmo pacientes com limitações, como insuficiência cardíaca, podem ser beneficiados, com orientação médica. “O paciente pode recuperar sua função cardíaca e deve fazer atividades dentro das suas limitações. Ele consegue fazer isso e ter uma vida o mais próximo do normal possível”, destaca Pires Junior, que também é membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e da The Society of Thoracic Surgeons dos Estados Unidos.
Fisiologia
A professora do curso de educação física do Ceub Leandra Batista diz que os benefícios da caminhada diária são explicados por adaptações fisiológicas que impactam positivamente os sistemas cardiovascular, metabólico, neuromuscular e psicológico. Por exemplo, o aumento gradual da atividade aeróbica fortalece o músculo do coração, resultando na maior eficiência do bombeamento sanguíneo. “Como consequência, há melhora na pressão arterial e na oxigenação tecidual, diminuindo o risco de doenças cardiovasculares, como aterosclerose”, afirma.
No metabolismo, o exercício aumenta a sensibilidade à insulina, promove o controle glicêmico e ajuda a regular os níveis de colesterol. Ao mesmo tempo, a contração muscular repetitiva durante a caminhada fortalece as fibras musculares, um impacto que, entre outras coisas, estimula a remodelação óssea e reduz o risco de osteoporose. Para o cérebro e a mente, a caminhada estimula a liberação de neurotransmissores que modulam o humor e melhora a circulação cerebral, reduzindo processos inflamatórios, com menos probabilidade de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer.
Ferramenta
“Essas adaptações demonstram que a caminhada diária é uma excelente ferramenta para a promoção da saúde integral, atuando em múltiplos sistemas fisiológicos de forma preventiva e terapêutica”, destaca Leandra Batista. “Esses efeitos são consistentes com o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece como benefícios da atividade física regular, como a redução do risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, alguns tipos de câncer, depressão e declínio cognitivo.”
Para Felipe Kutianski, professor de educação física e especialista em fisiologia do exercício, mais importante do que o número de passos é evitar períodos longos de inatividade. Ele afirma que dividir a movimentação ao longo do dia, como caminhar por 20 minutos quatro vezes ao dia, pode garantir os principais ganhos fisiológicos da atividade. “Não se trata de perfeição e, sim, de constância. Nosso corpo não foi feito para ficar parado. Pequenos blocos de movimento espalhados ao longo do dia já somam impacto real na saúde e no bem-estar”, destaca.
Por: Correio Braziliense