A cuidadora de idosos Rosângela Barros, de 64 anos, foi beneficiária do Bolsa Família entre 2005 e 2008, período em que, como lembra, o cartão do benefício ainda era amarelo. Na época, desempregada e responsável por cuidar do marido doente e de seis filhos, ela dependia da quantia para manter a casa: usava o dinheiro tanto para pagar contas básicas quanto para fazer compras no mercado. Durante esse período, fez cursos, como o de cuidadora, e conseguiu um emprego que a levou a deixar o programa.
— Depois que terminei os cursos, comecei a entregar currículos. Sempre fui muito agitada, não me conformava com as coisas. Comecei a trabalhar como cuidadora e, como ganhava bem, não me cadastrei de novo no Bolsa Família — conta.
Casos como o de Rosângela, de famílias que deixam o programa após aumento de renda, continuam ocorrendo. Em julho, o governo federal anunciou que cerca de um milhão de famílias deixaram o programa após a elevação da renda. Com isso, o Bolsa Família chegou a 19,6 milhões de beneficiários no mês, o menor número desde março de 2023, quando voltou a ter esse nome.
A analista de Recursos Humanos Miriam Furtado, de 43 anos, é outro exemplo. Recebeu o benefício por cerca de oito meses no ano passado. Na época, trabalhava em eventos de forma intermitente — só recebia quando havia serviço — e precisava sustentar a casa onde vive com o filho, hoje com 6 anos. O valor a ajudava a pagar despesas básicas.
Hoje, não recebe mais o benefício: conseguiu um emprego com carteira assinada que lhe garantiu estabilidade e fez com que ela entendesse que não havia mais necessidade de permanecer no programa:
— Era um dinheiro bem-vindo. Ajudou muito na transição para o emprego formal. Quando voltei a trabalhar com carteira assinada, como o salário era razoavelmente bom, não precisei mais.
Mercado aquecido reduz contingente
A saída de quase um milhão de famílias do programa confirma um movimento esperado diante da queda do desemprego no país desde 2022 e do aumento da massa salarial, avalia Daniel Duque, pesquisador do FGV Ibre. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de 1,7 milhão de vagas formais abertas em 2024, 98,8% foram preenchidas por inscritos no CadÚnico, sendo 1,27 milhão do Bolsa Família.
— Com o aumento dos salários, fica caro para a pessoa não procurar emprego. Muitos concluíram que vale a pena voltar ao mercado — diz.
Marcelo Neri, diretor do FGV Social, lembra que o programa também passa por mudanças operacionais:
— Tem uma série de mudanças no programa, na operação do cadastro e numa espécie de pente-fino, tirando quem não deveria estar e inserindo quem deveria. O programa entra em uma nova fase, pois, até então, expandiu em 46% a renda por brasileiro do Bolsa Família, em termos reais em dois anos, quando também houve aumento de equidade do programa.
Novas fontes de rendimento
A orientadora socioeducativa Carla Neres, de 57 anos, também deixou o programa após conseguir um emprego. Ela já foi beneficiária do Bolsa Família em várias ocasiões, sempre deixando o programa ao obter outra fonte de renda. A mais recente saída foi em abril do ano passado, quando voltou a trabalhar.
— Foi importante receber porque consegui equilibrar melhor minhas finanças. Fazia diferença para fazer uma feira, pagar contas de água e luz. Hoje, trabalho na área de Serviço Social e comecei a graduação esse ano.
A cuidadora de idosos Aline dos Santos, de 34 anos, também deixou o programa, mas sua história é diferente. Ela foi beneficiária entre 2015 e 2017, até que seu filho, diagnosticado com autismo, começou a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas), e o Bolsa Família foi suspenso.
— Hoje, trabalho no mercado informal, geralmente à noite, para conciliar com os cuidados do meu filho. Com esse dinheiro consigo manter a casa, e o benefício dele é usado pra comprar o que ele precisa.
Das quase um milhão de famílias que deixaram o Bolsa Família em julho, 536 mil atingiram o prazo máximo da chamada Regra de Proteção. Para o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), esse é um “movimento positivo, que evidencia a eficácia do programa como instrumento de superação da pobreza”.
Em nota, o MDS revelou que essa saída está dentro do esperado, já que o programa foi concebido como uma política de transferência de renda condicionada e transitória.
“O movimento de saída de beneficiários reflete, portanto, o funcionamento saudável do programa, em que o foco está em garantir proteção a quem realmente precisa, ao mesmo tempo em que se abre espaço fiscal e estrutural para novos ingressos”.
Por Extra