Pamela Jones recorda com clareza: virgem, aos 15 anos, ela se casou para fugir do pai abusivo. Sete dias após a união, o marido (não identificado) disparou: “Estou pronto para buscar outra esposa”.
Não se tratava de um pedido precoce de divórcio. Pamela havia mergulhado desde a infância na fundamentalista Igreja dos Primogênitos da Plenitude dos Tempos, um culto de origem mórmon que praticava a poligamia. Homens podiam ter quantas esposas desejassem.
A igreja foi fundada no interior do estado de Nova York na década de 1820, por Alma Dayer LeBaron Sr., tendo o “casamento plural” como a sua pedra angular. Embora a prática tenha sido proibida em 1904, ela continuou a ser central para a seita. Para escapar da proibição, os membros do culto fugiram para Los Molinos (México), onde viveram isolados, com medo mortal de que estranhos descobrissem seu estilo de vida ilegal e polígamo. Mas o México parecia mais “seguro” para a prática.
Pamela nasceu no seio do culto. O seu pai, Thomas Ossman Jones, “era um bêbado com 11 esposas e 57 filhos biológicos”, conforme revelou ela em livro recentemente publicado. Era uma vida de pobreza abjeta e pouca educação. O jantar geralmente consistia em lixo de supermercado infestado de larvas e pescado de uma lixeira.
Após completar 15 anos, Pamela foi forçada a se casar com um parente do fundador do culto. O marido o contato com a própria família e a fez morar num curral de ovelhas com chão de terra infestado de baratas. Não havia água encanada e eletricidade, e Pamela tinha que sobreviver com a pouca comida que lhe era oferecida.
“Casei-me com ele para escapar do meu pai abusivo, mas agora eu estava ainda mais triste e solitária do que antes”, desabafou. “Foi incutido em mim que, se eu tentasse ir embora, Deus me puniria tirando minha vida e a de meus filhos, e eu temia estar prestes a morrer”, acrescentou.
Tudo girava em torno dos valores propagados pelo culto. Qualquer desvio era amaldiçoado. Como quando Pamela perdeu uma meia-irmã, Nancy, que havia se afastado da igreja. O marido a repreendeu pelo sofrimento, pois “Nancy era uma gentia e Deus não tem lugar em seu reino para gentios”.
Pamela estava sob total domínio de um homem “extremamente lascivo e carnal” e era classificada como “cidadã de segunda classe”. Foi quando o marido se preparava para se casar com sua terceira esposa que ela pensou em escapar da seita pela primeira vez. Os pensamentos era um misto de culpa e esperança.
“Estava apavorada. Nossas raízes na seita eram tão profundas que levaria décadas até que eu pudesse cortar esses laços, escapar com meus filhos e finalmente me libertar dessa seita violenta, misógina e apocalíptica que negava voz às mulheres enquanto nos doutrinava com a crença de que nossas vidas não tinham valor além de servir a um marido e dar à luz continuamente”, escreveu ela em trecho citado por reportagem do “NY Post”.
Só em 2000, Pamela pôs em prática o plano que a libertaria do culto. Ela enviou documentos que comprovavam a cidadania americana de seus filhos para o consulado americano no México, roubou um cheque e dois cartões de crédito que encontrou no escritório do marido e uma nota de cinco dólares que descobriu na lavanderia dele. Além disso, a americana ensinou seus oito filhos mais novos a partirem cedo em uma manhã em uma van e um caminhão em direção à fronteira americana em El Paso. Seu plano deu certo.
Após cruzar a fronteira com os seus nove filhos gerados no culto infernal, Pamela se estabeleceu em Minneapolis e abriu um serviço de limpeza doméstica. Ela se casou novamente.
“A menininha mansa e assustada, que foi criada no culto para ser tímida, silenciosa e obediente aos homens, aprendeu não apenas a usar a voz, mas também a rugir quando necessário”, celebrou.
Por: Extra Globo