O Exército do Nepal tem patrulhado as ruas da capital Katmandu enquanto o país enfrenta sua pior onda de protestos em décadas.
As manifestações — motivadas principalmente pela corrupção generalizada e uma proibição governamental de uso de redes sociais — se transformaram em incêndios criminosos e atos violentos na terça-feira (9/9).
O primeiro-ministro, Khadga Prasad Oli, renunciou ao cargo após casas de políticos — incluindo a dele — terem sido vandalizadas e prédios do governo e o parlamento incendiados pelos manifestantes.
30 pessoas já morreram e mais de 1.000 ficaram feridas em dois dias de violência.
Grupos da geração Z — primeiros nativos digitais nascidos entre 1995 e 2010 — lideram os protestos, mas afirmam que não estão envolvidos nos atos de destruição, dizendo que as manifestações têm sido “sequestradas” por “oportunistas”.
Nesta quarta-feira (10/9), o aeroporto de Katmandu foi reaberto e a capital estava relativamente calma, já que a maioria dos moradores obedeceu ao toque de recolher.
Mas ainda é possível ver a fumaça saindo dos prédios.
O toque de recolher ficará em vigor até a manhã de quinta-feira (11/9) e o exército já advertiu que violência e atos de vandalismo serão punidos.
27 pessoas foram presas por saqueamento e violência e 31 armas de fogo foram apreendidas.
Confira 5 perguntas para entender o que está acontecendo no Nepal.
O que originou os protestos?
Os protestos foram desencadeadas pela decisão do governo, na última semana, de banir 26 plataformas das redes sociais, incluindo WhatsApp, Instagram e Facebook.
As redes sociais são uma parte importante da vida no Nepal. O país tem uma das maiores taxas de uso per capita no sul da Ásia.
O governo justificou a proibição como forma de enfrentar notícias falsas, discurso de ódio e fraudes online.
Mas críticos acusaram o governo de tentar sufocar uma campanha anticorrupção com a proibição, que foi revogada na noite de segunda-feira (8/9).
Embora a proibição tenha sido o catalisador da atual onda de protestos, os manifestantes passaram a apresentar um descontentamento muito mais amplo e profundo com a elite política do Nepal.
Quem lidera os protestos?

Mobilizado pelas redes sociais e liderado por jovens, este protesto é diferente de qualquer outro já visto no Nepal.
Os manifestantes se identificam como parte da geração Z, e o termo se tornou um símbolo da união em todo o movimento.
Embora não haja uma liderança centralizada, vários coletivos surgiram, fazendo convocações e compartilhando atualizações online.
Uma característica marcante desses protestos é o uso amplo de dois slogans: “nepo baby” e “nepo kids”.
Esses dois termos ganharam popularidade nas redes sociais do país nas últimas semanas, depois que vários vídeos viralizaram mostrando os estilos de vida dos filhos dos políticos no Nepal.
Os slogans se tornaram símbolo de uma frustração mais profunda com a desigualdade, à medida que os manifestantes comparam a vida da elite com a de cidadãos comuns.
Como a violência escalou?

Até a noite de segunda, 19 manifestantes tinham sido mortos em confrontos com a polícia.
As mortes alimentaram a raiva e os distúrbios na terça-feira, quando mais três mortes foram registradas. Esse número subiu para 30 nesta quarta-feira.
Segundo as autoridades, dois policiais estão entre as vítimas.
Os protestos continuaram intensamente, com uma multidão em Katmandu incendiando a sede do Partido do Congresso Nepalês — que é parte da coalizão do governo — e a casa do presidente do partido, Sher Bahadur Deuba, ex-primeiro-ministro do Nepal.
Centenas de manifestantes também invadiram e incendiaram o prédio do parlamento, quebrando janelas e pichando mensagens anti-corrupção nas paredes.
O Singha Durbar, um grande complexo que abriga escritórios do governo, também foi invadido, e a Suprema Corte anunciou nesta quarta-feira que adiou indefinidamente todas as audiências de casos pendentes por causa dos danos causados.
Entre os feridos está a esposa do ex-primeiro-ministro Jhalanath Khanal, que sofreu queimaduras graves quando manifestantes incendiaram sua casa na terça-feira.
Alguns veículos de imprensa noticiaram que Ravilaxmi Chitrakar tinha morrido, mas seu marido disse à BBC que ela permanece viva, em situação crítica, na UTI do Hopsital de Kirtiput, na capital do país.
Ela estava no andar de cima da casa quando o incêndio começou e encontrada inconsciente pelas equipes de resgate.

Durante o caos, milhares de detentos escaparam de prisões em todo o país.
Cinco jovens detentos foram mortos na terça-feira, quando as forças de segurança atiraram contra fugitivos de uma unidade de correção juvenil em Banke, no oeste do Nepal.
De acordo com o diretor da unidade, todos tinham menos de 18 anos.
Muitos manifestantes estão preocupados que o movimento tenha sido “sequestrado” por pessoas infiltradas, uma alegação que também foi feita pelo exército.
“Estamos no processo de controlar os indivíduos que estão aproveitando dessa situação para saquear, incendiar e causar outros incidentes”, disse Rajaram Basnet, porta-voz do Exército.
Um comunicado emitido pelos manifestantes afirmou que o movimento “foi e continua sendo não-violento, baseado nos princípios do engajamento cívico pacífico”.
Eles acrescentam que estão atuando voluntariamente no local para “gerenciar a situação de forma responsável”, proteger os cidadãos e o patrimônio público.
Como está o país após dois dias de violência?
O Exército, que tenta controlar a situação, convidou os manifestantes da geração Z para participar de negociações de paz.
Um dos representantes do movimento disse à BBC que as lideranças estudantis estão consolidando uma nova lista com demandas.
Oficiais estão verificando documentos de veículos em postos de controle militares por toda a capital e pedindo que as pessoas fiquem em casa.
“Sem deslocamentos desnecessários”, dizem as vozes nos alto-falantes.
Ainda assim, alguns jovens estavam nas ruas, carregando sacos de lixo e usando máscaras, ajudando a limpar os danos causados durante os protestos.
“Essa questão da corrupção existe no Nepal há muito, muito tempo. E eu acho que já passou da hora do país mudar”, disse Ksang Lama, 14 anos, que não participou dos protestos, mas espera que eles tragam “algo positivo para nosso país”.
Já Parash Pratap Hamal, 24 anos, participou das manifestações.
Ela acredita que o Nepal “precisa de políticos independentes” e cita o prefeito de Katmandu, Balendra Shah, como alguém que seria um bom líder.
“As pessoas estão esperançosas agora, depois dessa revolução”, disse Rakesh Niraula, 36 anos, que mora no leste do Nepal.
“Há esperança para uma melhor governança. Sentimos que foi uma lição para os líderes melhorarem, para que o país possa ter um futuro brilhante.”
Mesmo com a expectativa de mudança, alguns nepaleses disseram à BBC que ficaram surpresos com a violência e o vandalismo que marcaram os protestos.
“Pessoalmente, acho que isso não deveria ter acontecido”, diz Niraula.
Prabhat Paudel, empresário que vive na cidade de Lalitpur, disse que ficou chocado com o incêndio de prédios governamentais, como a Suprema Corte “que é patrimônio nacional”.
Em comunicado, grupos de manifestantes informaram que não há novos protestos programados a partir de quarta-feira e pediram que a polícia e o Exército implementem toques de recolher se necessário.
Como fica a situação política do país?
A renúncia do primeiro-ministro nepalês deixou um vazio na liderança do país. Não está claro quem vai substitui-lo e nem o que acontece a partir de agora.
Outros três ministros do primeiro escalão também deixaram os cargos.
Aparentemente, não há ninguém no comando.
Atualmente, o país é governado pelo presidente Ram Chandra Poudel, de centro-esquerda. Já o primeiro-ministro que renunciou é do Partido Comunista.
“Olhando para o futuro, acreditamos que a liderança do Nepal deva ser livre de vínculos com partidos políticos tradicionais, totalmente independentes e escolhida com base em competência, integridade e qualificação”, disseram os manifestantes da geração Z em comunicado.
“Exigimos um governo transparente e estável, que trabalhe em prol do povo e não para benefício de indivíduos corruptos ou elites políticas.”
*Reportagem adicional de Pradeep Bashyal e Pawan Paudel in Kathmandu.
Por: BBC Brasil