O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento administrativo para apurar se aplicativos de relacionamento voltados ao público LGBTI+ no Brasil adotam medidas eficazes para garantir a segurança de seus usuários. A investigação foi motivada a partir da divulgação de diversos crimes relacionados a esse público, incluindo roubos, extorsões, lesões corporais e homicídios, ocorridos no Distrito Federal e em várias cidades brasileiras, como Curitiba, Porto Alegre e São Paulo.
De acordo com o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, que atua no Acre e está responsável pelo procedimento, a prática de crimes por meio de aplicativos de relacionamento já é uma notória questão de segurança pública. No entanto, quando se trata de usuários LGBTI+, a vulnerabilidade inerente à sua orientação sexual pode motivar a execução de condutas agravadas, movidas por preconceito e ódio.
“Mas, além do perfil vulnerável das vítimas, o que torna os crimes praticados por meio de aplicativos de relacionamento LGBTI+ especialmente alarmantes é a facilidade encontrada pelos criminosos nesses ambientes virtuais de repetirem as suas condutas impunemente. Com frequência, os agentes se utilizam dos mesmos ardis para atraírem diferentes vítimas, até que um elevado número de ocorrências desperte, enfim, a atenção das autoridades policiais”, destacou Dias no documento.
O procurador identifica dois fatores principais que facilitam a prática destes crimes. Primeiro, o receio e o constrangimento das vítimas em denunciar os delitos, somados à eventual falta de cautela no compartilhamento de dados pessoais, criam um ambiente propício para a ação criminosa. Segundo, percebe-se uma notável ineficiência por parte das plataformas digitais, que falham em implementar ferramentas de segurança robustas para proteger seus usuários e diminuir os riscos.
Responsabilidade das plataformas – Segundo o despacho do MPF que instaurou a apuração, apesar de o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) isentar plataformas de responsabilidade por conteúdos de terceiros, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) alterou esse cenário. Em junho deste ano, o tribunal declarou a inconstitucionalidade parcial da regra e impôs às plataformas o “dever de cuidado”. Isso significa que as empresas devem atuar de forma proativa para remover conteúdos que incitem discriminação por raça, sexualidade ou identidade de gênero, mesmo sem notificação judicial.
O levantamento do MPF apontou que dois dos mais conhecidos aplicativos voltados ao público LGBTI+, Grindr e Hornet, já possuem termos especiais de serviço para o Brasil, que preveem a responsabilização da empresa, contrariando as regras de limitação de responsabilidade aplicadas em outros países. Os aplicativos também já se comprometeram publicamente a melhorar seus mecanismos de segurança publicamente, o que sugere uma possibilidade de solução regulatória mais rápida e colaborativa.
O documento cita que um protocolo australiano, formulado com a participação direta das empresas fornecedoras das aplicações, exige que as plataformas signatárias invistam em sistemas de detecção de ameaças, canais de denúncia e banimento de contas irregulares.
“No caso brasileiro, a adoção de providências similares é indispensável para garantir a maior segurança da população, e, especialmente, da população LGBTI+ usuária de aplicativos de relacionamento. Tais medidas, aliás, não devem comprometer o funcionamento das referidas plataformas digitais no país, uma vez que também oferecem aos seus usuários serviços relevantes de comunicação, socialização, construção de identidade digital e senso de pertencimento em um mundo interconectado”, conclui o procurador da República Lucas Dias.
Para instruir o procedimento, foram expedidos ofícios à Secretaria Nacional de Direitos LGBTQIA+, ao Grupo de Trabalho de Enfrentamento da Discriminação contra Pessoas LGBTQIA+ em Ambiente Digital, instituído pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), e aos aplicativos Grindr e Hornet, para que prestem informações sobre o tema.
Inquérito Civil nº 1.10.000.001088/2025-41
Fonte: Assessoria de Comunicação MPF/AC