Por sete votos a favor e quatro contários, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu procedente o questionamento das operadoras de planos de saúde sobre as novas regras para o setor, em vigor desde 2022. Com o veredicto, os planos de saúde estão desobrigados a cobrirem tratamento não listado no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Ministro relator no julgamento, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, considerou que é constitucional a cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol da ANS, “desde que preenchidos os parâmetros técnicos e jurídicos fixados nesta decisão”. Acompanharam o relator os ministros Nunes Marques, Cristiano Zanin, André Mendonça, Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes.
O magistrado estabeleceu cinco critérios, que deverão ser cumpridos simultaneamente: prescrição por médico ou dentista habilitados; inexistência de negativa expressa na ANS ou dependência de análise em proposta de atualização do rol; ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol de procedimentos da ANS; comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina baseada em evidências de alto grau, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível; existência de registro na Anvisa.
Em seu voto, o presidente do STF destacou que os critérios listados buscam estabelecer uma coerência entre os sistemas público e privado de saúde. O intuito é evitar que as operadoras de saúde tenham obrigações maiores do que as do Estado e não respaldadas por sólidas evidências científicas. Ressaltou a necessidade de garantir tanto a proteção dos beneficiários quanto a viabilidade econômica das operadoras.
Barroso acrescentou que a ausência de inclusão de procedimento ou tratamento no rol da ANS impede, como regra geral, a sua concessão judicial, “salvo quando preenchidos os requisitos previstos no Código de Processo Civil (CPC)”. Ele acrescentou que o Poder Judiciário, ao apreciar o pedido de cobertura de procedimento ou tratamento não incluído no Código, “deverá, obrigatoriamente, verificar se há prova do prévio requerimento à operadora de saúde com a negativa, ora irrazoável, omissão da operadora na autorização do tratamento não incorporado ao rol da ANS”. “Em caso de deferimento judicial do pedido, o juiz deverá oficiar a ANS para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória”, acrescentou.
Voto vencido no julgamento, o ministro Edson Fachin, que assumirá a presidência do Supremo no dia 29 deste mês, demonstrou preocupação com a limitação do atendimento de usuários de planos de saúde. “Entendo que o caminho do estabelecimento de rol taxativo levará um contingente importante de pessoas, que são usuários de planos de saúde, a eventualmente tornar-se um subgrupo ou, o que é pior, não terem plano de saúde. A opção legítima e controversa para o interesse das operadoras não é uma inconstitucionalidade que mereça ser teriorada pelo STF”, frisou.
Doenças raras
Gustavo Kloh, professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, ressaltou o impacto do julgamento. “A decisão é terminativa e não beneficia o consumidor, principalmente aqueles com doenças raras e autismo, por exemplo, pois o plano de saúde só será obrigado a cobrir o que estiver no rol”, comentou.
O especialista afirma que, a partir de agora, tratamentos e terapias que não estejam no rol da ANS não precisarão ser cobertos pelos planos de saúde. “O usuário é o maior prejudicado dessa decisão, especialmente quem tem câncer, doença avançada ou degenerativa, e quem tem filho autista, por exemplo”, disse. Na avaliação dele, o aumento de requisitos feito por Barroso tornará o tratamento “ainda mais difícil” para os consumidores.
Em nota, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) afirma que o STF “reverteu posicionamento histórico do judiciário, privilegiando argumentos econômicos das operadoras em detrimento da proteção da saúde do consumidor”.
Na avaliação da coordenadora do programa de saúde do instituto, Marina Paullelli, desde a aprovação da Lei 14.454, em 2022, houve demora do órgão regulador em orientar as operadoras para a garantir a cobertura sem a necessidade de discussão judicial do assunto. “A ANS mostrou resistência em mostrar a necessidade das operadoras cumprirem a lei”, afirmou.
Segundo ela, a judicialização da saúde é reflexo tanto das práticas das empresas quanto de problemas regulatórios. “E, nesses problemas regulatórios da falta de avanço da ANS em alguns temas e da falta de aderência, no caso dessa última lei editada em 2022”, resumiu.
Rol taxativo
O julgamento teve início em abril. Nesse período, os ministros da Suprema Corte analisaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7265, que questiona a Lei 14.454/2022, que obrigava os planos de saúde a custear tratamentos com eficácia comprovada, mesmo que não estivessem incluídos na lista da ANS, eliminando o rol taxativo.
Na ação, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), representando várias entidades do setor, argumenta que as obrigações dos planos de saúde foram ampliadas além do previsto para o Sistema Único de Saúde (SUS), ignorando o caráter suplementar da saúde privada e criando um desequilíbrio econômico no setor. Procurada pelo Correio, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), que deu apoio à Unidas no processo, não comentou o assunto até o fechamento desta edição.
Conforme dados da ANS, em 2024, as operadoras de planos de saúde registraram um lucro líquido de R$ 11,1 bilhões — aumento de 271% em relação ao ano anterior. “Esse resultado equivale a aproximadamente 3,16% da receita total acumulada no período, que foi aproximadamente R$ 350 bilhões. Ou seja, para cada R$ 100 de receitas, o setor auferiu cerca de R$ 3,16 de lucro ou sobra”, informou o comunicado da agência reguladora.
Por Correio Braziliense.