Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Bactérias misturadas ao cimento convertem paredes em ‘baterias vivas’

Bactérias misturadas ao cimento convertem paredes em 'baterias vivas'

Um dos materiais mais triviais de qualquer construção, o cimento está prestes a se tornar um marco na bioengenharia de materiais, oferecendo uma solução potencialmente escalável para o armazenamento integrado de energia renovável diretamente na infraestrutura urbana.

Um dos materiais mais triviais de qualquer construção, o cimento está prestes a se tornar um marco na bioengenharia de materiais, oferecendo uma solução potencialmente escalável para o armazenamento integrado de energia renovável diretamente na infraestrutura urbana.

Ao contrário do que poderíamos esperar, a bactéria não ficou “presa” como um corpo estranho soterrado: ela conseguiu sobreviver e interagir com a matriz de cimento, mantendo suas propriedades eletroativas. O material resultante foi chamado pelos pesquisadores de “híbrido de cimento microbiano”:

De acordo com o estudo, publicado recentemente na revista científica Cell Reports Physical Science, “ao integrar microrganismos eletroativos ao cimento, estabelecemos uma rede funcional de armazenamento de carga que aproveita a transferência de elétrons extracelular para permitir o armazenamento dinâmico de energia redox-ativa”.

Em outras palavras, isso significa que, ao colocar essas bactérias dentro do cimento, os autores criaram um ambiente em que a transferência extracelular de elétrons desses microrganismos pudesse ocorrer dentro da matriz sólida, transformando o próprio cimento em parte do circuito eletroquímico funcional.

Como é preparado o cimento vivo?

O cimento vivo é um material compósito no qual um dos constituintes é o cimento tradicional, que fornece a estrutura sólida. Mas o processo começa antes, com o cultivo das S. oneidensis em um meio de cultura padronizado que garante sua reprodução e mantém suas propriedades eletroativas.

Para a preparação da suspensão bacteriana utilizada no cimento, as bactérias cultivadas são diluídas com água deionizada (sem partículas elétricas carregadas). A suspensão diluída uniformemente é que será o componente líquido na matriz do cimento.

O passo seguinte é a preparação da mistura seca: o cimento Portland comum pré-pesado é completamente misturado com 2% de sulfato de sódio (calculado por peso de cimento) que atua como eletrólito. A mistura seca é homogeneizada por dois minutos exatos para garantir distribuição uniforme do sulfato.

Após a incorporação completa dos componentes secos, a suspensão bacteriana diluída é adicionada à mistura de cimento e sulfato de sódio. A mistura final é então agitada por mais um minuto para produzir uma pasta de cimento homogênea, assegurando que as bactérias sejam distribuídas por toda a matriz.

Finalmente, a pasta de cimento com as bactérias é despejada em moldes apropriados, com aplicação de vibração suave para eliminar bolhas de ar. Depois, as amostras são curadas à temperatura ambiente por 24 horas antes da desmoldagem, seguidas por períodos de cura controlada para os testes.

Resultados dos testes e perspectivas de uso do cimento vivo

Após 10 mil ciclos de cargas e descargas, o sistema conseguia armazenar 85% da energia original • Qi Luo et al., Cell Reports Physical Science, 2025
Após 10 mil ciclos de cargas e descargas, o sistema conseguia armazenar 85% da energia original • Qi Luo et al., Cell Reports Physical Science, 2025

Segundo o estudo, o cimento vivo resultante atinge 178,7 Wh/kg, ou seja, fornece 178,7 watts de potência durante uma hora, Trazendo isso para termos práticos, seria suficiente para manter 44 lâmpadas LED acesas nesse período, o que é um resultado impressionante para uma colônia de bactérias invisíveis enterradas no cimento.

O que mais impressiona é que, além de armazenar e liberar eletricidade de forma eficiente dentro das redes condutoras, o material continua funcionando mesmo após a morte das bactérias. Além disso, pequenos canais microscópicos no cimento permitem a injeção de nutrientes e a recolonização do material.

Após carregar e descarregar o sistema por 10 mil ciclos, ele ainda conseguia armazenar 85% da energia original. Essa durabilidade se manteve mesmo em variações térmicas entre -15°C e 33°C, uma resistência térmica que torna o cimento vivo promissor para diferentes climas urbanos.

Embora os resultados tenham se mostrado promissores, é preciso lembrar que o artigo não é ainda uma aplicação industrial, mas vai além de um simples estudo de laboratório. Trata-se de uma prova de conceito experimental, na qual os autores conseguiram mostram que o cimento vivo armazena energia e pode ser reativado.

Em um comunicado, o pesquisador principal Qi Luo, da Aarhus, prevê uma sala construída com cimento vivo: “mesmo com uma densidade de energia modesta de 5 Wh/kg, as paredes sozinhas poderiam armazenar cerca de 10 kWh — o suficiente para manter um servidor corporativo padrão funcionando por um dia inteiro”.

Por: CNN Brasil  

Sair da versão mobile