A empresária Caroline Aristides Nicolichi, de 26 anos, viralizou nas redes sociais ao expor que não conseguiu trocar o nome da filha no cartório após se arrepender do registro. Especialistas em direito civil divergem quanto às interpretações da lei que trata de alteração – leia abaixo.
Caroline deu entrada no procedimento no 28º Cartório de Registro Civil, no Jardim Paulista, em São Paulo (SP), e afirma que no local disseram que “estava tudo certo”. Porém, quando recebeu o documento, relata que levou um susto: o cartório negou o pedido.
Ela também disse que a oficial de registro teria se alterado e feito ameaças à empresária no cartório. Ao g1, o cartório negou que a empresária foi ameaçada. Segundo a instituição, a legislação foi cumprida e “nenhuma ofensa ou ameaça foi praticada pela oficial de registro e por prestadores do cartório”.
O advogado da família solicitou à Corregedoria Geral de Justiça que apurasse o ocorrido, e requisitou a correção do ato e responsabilização administrativa. Nesta quinta (4), o órgão informou que foi designado o juiz competente que avaliará o caso. Caroline afirma que, se o órgão reprovar o pedido de alteração do nome, irá acionar a Justiça.
Entenda o caso
Caroline e o marido moram em Indaiatuba (SP) e viajaram a São Paulo para o nascimento da quarta filha, em 6 de agosto. No dia seguinte, na própria maternidade, os pais registraram a filha com o nome de Ariel — o hospital dispõe de um cartório interno para facilitar o registro dos recém-nascidos.
Passados alguns dias, os pais se arrependeram do nome ao perceberem que médicos, enfermeiros e demais funcionários do hospital se referiam à filha no gênero masculino.
“Ainda na maternidade, enfermeira, médico, todo mundo achou que era menino: ‘como que está o Ariel? Vamos examinar o Ariel? E aí, o Ariel fez isso, fez aquilo?’ Então, isso incomodou muito a gente. A gente só olhava um para cara do outro, assim, e ficava, tipo, será que vai ser isso a vida toda?”, conta a influenciadora.
Apesar de Ariel ser considerado um nome neutro, Caroline temeu que a filha sofresse bullying no futuro e, junto de seu marido, resolveu mudar o nome da bebê para Bella.
Discussão no cartório
No dia 18 de agosto, 11 dias após o nascimento da filha, os pais foram até o 28º Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais – Jardim Paulista e solicitaram a alteração do nome. Segundo a empresária, o processo aconteceu rapidamente.
“A gente pagou a taxa de R$ 188. Ela falou que tava tudo certo, que era só voltar em 5 dias para retirar o documento”, explica Caroline.
No dia 25 de agosto, o casal retornou ao local para retirar a nova certidão de nascimento. Porém, a oficial do cartório informou que o pedido havia sido negado, já que “arrependimento” não era motivo para troca do nome. Foi aí que o conflito começou.
Caroline se baseou no artigo 55, parágrafo 4º da Lei n.º 6015/73, que informa que em até 15 dias do registro do nascimento, é possível fazer a alteração do nome do bebê por via administrativa no cartório, desde que haja consentimento dos pais.
De acordo com a mãe, a oficial teria dito que a lei só era válida em casos em que o pai registrasse o nome do filho sem consentimento da mãe. Além disso, ela teria se alterado, chegando a gritar e ameaçar Caroline.
“Ela falou que tinha amigo juiz, que ela ia acabar com a gente. Olhou pra minha cara e falou assim: ‘é bom o seu marido ser muito bilionário, porque a gente vai acabar com vocês. Eu vou acabar com a sua vida'”, relata a mãe.
A influenciadora também relatou que outro funcionário do estabelecimento chegou a chamá-la de “burra”.
Por conta da discussão, Caroline chamou a polícia e registrou um boletim de ocorrência. Já a solicitação de troca de nome foi encerrada pelo cartório.
“Eu saí de lá chorando, desesperada, tremendo (…) Meu leite chegou a secar, agora eu tô tomando remédio pra poder voltar, por conta do estresse. Foi um choque muito grande. A gente se sente impotente”, desabafa a mãe.
Em nota, o cartório afirmou que “o caso concreto não se enquadra na hipótese normativa em questão”. Também disse que “a legislação não prevê o simples direito de arrependimento posterior à escolha do nome já registrado”.
“No caso da senhora Caroline Aristides Nicolichi, tanto ela quanto o pai da criança, no ato do registro, manifestaram vontade na escolha e fixação do nome, sendo que a lei não resguarda o comportamento contraditório, especialmente daqueles que exercem o poder familiar”, diz a nota.
O que dizem os especialistas?
O g1 entrevistou dois especialistas em direito civil, que divergem quanto às interpretações do artigo 55 da Lei 6.015/73 que diz:
- 4º Em até 15 (quinze) dias após o registro, qualquer dos genitores poderá apresentar, perante o registro civil onde foi lavrado o assento de nascimento, oposição fundamentada ao prenome e sobrenomes indicados pelo declarante, observado que, se houver manifestação consensual dos genitores, será realizado o procedimento de retificação administrativa do registro, mas, se não houver consenso, a oposição será encaminhada ao juiz competente para decisão. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).
Mariana Baroni é advogada e professora de direito civil. Segundo ela, a alteração do nome sem necessidade de processo judicial é admitida quando o registro foi feito por apenas um dos genitores ou quando há erro de grafia. Além disso, ela afirma que a lei não fala expressamente sobre a possibilidade do arrependimento.
“Então, em caso de arrependimento na escolha do nome, não há previsão legal para alteração por simples registro no cartório de registro de pessoas naturais. Nesses casos, será necessário, portanto, o ingresso com um processo judicial”, explica a advogada.
Já a advogada especialista em processo civil Maria Clara Baroni tem uma interpretação diferente. De acordo com a especialista, não existe na legislação nada que indique que o pedido de alteração do nome teria que ocorrer porque houve oposição de um genitor com outro.
Baroni afirma que, ainda que a lei tenha sido alterada com base em um caso em que um pai registrou o nome da criança à revelia da escolha da mãe, isso não quer dizer que ela seja válida apenas nesses casos.
No entendimento da advogada, a única condição que a lei, de fato, menciona é o consenso dos pais.
Maria Clara acredita que, ainda que a lei possa abrir margem para interpretação, o propósito da lei é facilitar e desburocratizar os processos e não o contrário.
“Essa legislação surge no sentido de uma revolução de procedimento de mudança de nome no Brasil. A ideia da legislação que se tem é que esse processo seja mais simples, menos burocrático, mais acessível, para que as pessoas consigam fazer isso administrativamente, sem a necessidade dessa ação judicial”, acrescenta Maria Clara.
O que diz o cartório?
Leia a nota na íntegra:
“O 28º Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca da Capital do Estado de São Paulo vem, por meio desta nota, esclarecer os acontecimentos ocorridos na serventia no último dia 25 de agosto.
A senhora Caroline Aristides Nicolichi compareceu ao cartório solicitando abertura de procedimento administrativo para alteração de prenome de recém-nascido, com fundamento no artigo 55, §4º, da Lei nº 6015/73, recebendo protocolo com data para retorno e realizando o pagamento das taxas, que são legalmente devidas.
O procedimento administrativo foi submetido à qualificação registral e resultou em negativa, devidamente entregue à senhora Caroline Aristides Nicolichi, pois o caso concreto não se enquadra na hipótese normativa em questão.
Cumpre esclarecer que a legislação não prevê o simples direito de arrependimento posterior à escolha do nome já registrado. No caso da senhora Caroline Aristides Nicolichi, tanto ela quanto o pai da criança, no ato do registro, manifestaram vontade na escolha e fixação do nome, sendo que a lei não resguarda o comportamento contraditório, especialmente daqueles que exercem o poder familiar.
A lei somente prevê a possibilidade de apresentação de OPOSIÇÃO FUNDAMENTADA por aquele que NÃO teve oportunidade de manifestar sua vontade no ato de registro, tendo sido privado do exercício de seu poder familiar. Ocorre que, como esclarecido, no caso em questão, ambos os genitores exerceram livremente o poder familiar no ato do registro do nome do recém-nascido.
As serventias extrajudiciais estão estritamente atreladas à lei, zelando pela segurança jurídica, pelos direitos fundamentais do cidadão, pela proteção ao interesse da criança e respeito às normas que regem o Registro Civil das Pessoas Naturais.
No mais, cumpre esclarecer que nenhuma ofensa ou ameaça foi praticada pela oficial de registro e por prestadores do cartório contra a senhora Caroline Aristides Nicolichi, que, inclusive, foram acompanhados pela Polícia Militar no andamento da ocorrência.
Portanto, são inverídicas e levianas as acusações que estão sendo veiculadas sobre agressões que teriam sido cometidas contra a senhora Caroline Aristides Nicolichi.”
O que diz a Arpen?
“A Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP) vem a público esclarecer informações que têm circulado nas redes sociais acerca do registro de nascimento ocorrido no Cartório Jardim Paulista – 28º Registro Civil das Pessoas Naturais, em São Paulo, e a subsequente solicitação de alteração de nome do recém-nascido.
O assento foi feito na presença de ambos os genitores e de funcionários do hospital, tendo o nome do recém-nascido sido previamente escolhido, segundo consta, em votação promovida pela mãe em suas redes sociais, com a concordância do pai no ato do registro.
A Lei no 6.015/73, em seu artigo 55, § 4º, dispõe que, em até 15 dias após o registro, qualquer um dos genitores poderá apresentar oposição fundamentada ao prenome e sobrenomes indicados, hipótese em que, havendo consenso, a alteração poderá ser realizada no Cartório. Caso não haja consenso, o pedido deverá ser encaminhado ao Poder Judiciário para decisão.
Importa ressaltar que a legislação não prevê a simples alteração por arrependimento posterior à escolha do nome já registrado, mas apenas nos casos de oposição formal de um dos genitores, o que não ocorreu no presente caso, apesar de ter sido orientado aos pais o procedimento adequado.
A Arpen/SP reafirma que os oficiais e suas equipes atuam estritamente conforme a lei, garantindo segurança jurídica, proteção do interesse da criança e respeito às normas que regem o Registro Civil de Pessoas Naturais.
Entenda como surgiu a possibilidade de alteração de nome do recém-nascido
Em 2021, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a alteração do nome de uma criança registrada pelo pai com um prenome diferente daquele previamente combinado com a mãe. No caso, o pai escolheu “Diane”, mesmo ciente de que havia outro nome acordado entre os dois. Os ministros entenderam que houve rompimento unilateral do pacto entre os genitores, prejudicando o direito da mãe de participar da escolha.
Esse precedente inspirou a inclusão do § 4º no artigo 55 da Lei no 6.015/73, em 2022. O dispositivo foi criado para proteger os pais – especialmente as mães – que, muitas vezes, não conseguem estar presentes no momento do registro por razões como a recuperação do pós-parto. Assim, a lei garante a possibilidade de oposição fundamentada ao nome registrado, tanto pela mãe quanto pelo pai, quando não houver consenso.”
Fonte: G1