O julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a trama golpista não será o ponto final da ação penal que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro como réu. Mesmo com a maioria formada pela condenação a cinco crimes, e até mesmo após definição das penas, a defesa ainda poderá apresentar recursos. As opções, porém, serão limitadas de acordo com o placar no colegiado.
A principal dúvida sobre o pós-julgamento recai sobre a possibilidade de recorrer por meio dos chamados embargos infringentes, recurso previsto no Código de Processo Penal que permite a reavaliação de uma decisão não unânime.
O objetivo é permitir um novo julgamento por um órgão colegiado maior. Assim, uma das consequências possíveis seria a transferência do julgamento da Primeira Turma, formada por cinco ministros, para o plenário, onde os 11 integrantes do STF reavaliam parte da decisão.
Há, porém, limitações para que a defesa possa apresentar esse tipo de recurso. Pela jurisprudência da Corte, só há a possibilidade de apresentar embargo infringente relacionado a uma condenação nas turmas quando pelo menos dois ministros votam pela absolvição do réu — por enquanto, apenas Fux votou pela absolvição de Bolsonaro.
Se há outros tipos de divergência, como no cálculo da pena ou nulidade processual, não é possível usar esse instrumento. Foi o que o STF reforçou em precedentes recentes, como nos casos do ex-deputado Paulo Maluf, do ex-presidente Fernando Collor e da cabeleireira Débora Rodrigues, ao classificar recursos desse perfil como incabíveis e de caráter protelatórios — ou seja, que só visavam adiar o cumprimento da pena.
Bolsonaro é acusado de “liderar” uma organização criminosa que se baseava em um “projeto autoritário de poder” e visava dar um golpe de Estado.
Ele foi denunciado por cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
Os advogados afirmam que o ex-presidente é inocente e não compactuou com qualquer tentativa de ruptura democrática. Durante seu interrogatório no STF, em junho, Bolsonaro admitiu que discutiu “alternativas” para a derrota eleitoral de 2022, mas negou a investida golpista. Segundo afirmou na ocasião, o plano não foi adiante e as propostas foram descartadas, pois não havia “clima”, “oportunidade” e “base minimamente sólida para qualquer coisa”.
Outros recursos
Há ainda outras possibilidades que a defesa pode lançar mão para tentar reverter uma eventual condenação. Uma delas são os chamados embargos de declaração, que em geral não mudam a decisão, mas são usados para apontar omissões ou contradições no julgamento.
Na prática, servem mais para atrasar o trânsito em julgado do que para reabrir a discussão, e o STF tem rejeitado embargos sucessivos quando os identifica como protelatórios. Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso da deputada Carla Zambelli (PL-SP).
Outra via jurídica disponível à defesa de Bolsonaro é o habeas corpus, que poderia ser levado ao plenário em caso de flagrante ilegalidade ou abuso de poder. O instrumento, porém, não pode funcionar como um recurso à decisão, e o Supremo tem sido rígido em barrar essa prática.
Após o chamado trânsito em julgado, quando são esgotadas as possibilidadedes de recursos, a defesa ainda pode recorrer à revisão criminal. Essa ação é prevista no Código de Processo Penal para hipóteses de erro do Judiciário, provas novas ou uma clara e manifesta injustiça.
Esse tipo de instrumento já foi utilizado em julgamentos de grande repercussão, como no mensalão e na Lava-Jato — em ambos, não houve efeito.
Órgãos internacionais
Há também a possibilidade de apelar a instâncias internacionais, como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, com alegações de violação ao devido processo legal ou garantias fundamentais. Embora essa estratégia não suspenda a condenação no Brasil, pode gerar responsabilização internacional do Estado.
Na avaliação de advogados que atuam nas defesas de réus na trama golpista, se condenado, Bolsonaro terá à disposição recursos capazes de atrasar o desfecho do processo, mas com chances restritas de reverter a condenação.
Nesta quinta-feira, o advogado Paulo Bueno, que defende Bolsonaro, afirmou que o voto de Fux “pavimenta” recursos para as Cortes Internacionais por levantar temas como o “cerceamento de defesa”.
— Com certeza isso pavimenta ações nas Cortes Internacionais. São teses muita caras, importantíssimas, que tratam da violação a direitos humanos — disse Bueno.
O entendimento entre os juristas é que a jurisprudência do STF, mais dura após casos como os de Collor e Maluf, tornou os embargos infringentes uma opção rara, e as demais saídas dependem de hipóteses muito específicas para prosperar.
Por Extra