Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Policial desabafa para vereadores: ‘hoje não morremos mais pelas facções, morremos pelo Estado’

Policial desabafa para vereadores: 'hoje não morremos mais pelas facções, morremos pelo Estado'

Servidores denunciam abandono e cobram valorização da Polícia Penal no Acre (Foto: Zayra Amorim/Iapen)

“Hoje não morremos mais pelas facções, morremos pelo Estado”. A frase dita pelo policial penal James Peteca durante ato solene na Câmara Municipal de Rio Branco, nesta terça-feira, 30, resumiu o clima de indignação que marcou a homenagem ao Dia Estadual do Policial Penal. O evento foi solicitado pelo vereador Joabe Lira (União Brasil), servidor de carreira no sistema prisional, e reuniu representantes de sindicatos, associações e trabalhadores da segurança pública.

Durante a sessão, os profissionais relataram situações de risco, abandono e falta de reconhecimento. Jenilson Ferreira, que perdeu um olho ao conter uma rebelião no presídio Antônio Amaro Alves, em 2023, lembrou o episódio com emoção. “Mesmo com poucos recursos, conseguimos evitar a fuga de criminosos perigosos. Mas seguimos sem apoio, sem estrutura e sem assistência”, afirmou.

James Peteca reforçou a denúncia ao citar o tratamento dado ao colega ferido. “Ele pediu indenização e o Estado respondeu que ele queria enriquecer ilicitamente. Isso é revoltante. O homem perdeu a visão e ainda é acusado de oportunismo?”, questionou.

Peteca também criticou a escassez de pessoal nas unidades prisionais. “No Chapão [Francisco d’Oliveira Conde – FOC), maior presídio do Acre, são cinco agentes para mil detentos. Em Senador Guiomard, há oito guaritas e nenhuma ocupada. Em Cruzeiro do Sul, o presídio feminino foi fechado por falta de efetivo.”

Outro ponto levantado foi o não cumprimento da promessa de nomeação dos aprovados no último concurso. “Disseram que os 308 seriam chamados. Só convocaram 170. Muitos largaram empregos, compraram fardamento, acreditaram na palavra do governo. Hoje estão passando necessidade”, afirmou Peteca. Ele citou o caso de uma candidata que teve um filho durante o curso de formação e precisou usar o dinheiro do enxoval para comprar uniforme, acreditando que seria contratada.

Policial desabafa para vereadores: 'hoje não morremos mais pelas facções, morremos pelo Estado'
Convocada pelo presidente Joabe Lira (União), sessão solene reuniu representantes da segurança pública na Câmara – Foto: Dell Pinheiro

Leandro Rocha, presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Acre (Sindpol), destacou que a trajetória da categoria é marcada por esforço e resistência. “Nada veio fácil. São 17 anos desde a posse da primeira turma, em 29 de setembro de 2008. Hoje somos reconhecidos pela Constituição, mas seguimos sem estrutura, sem respaldo legal e sem respeito institucional”, disse. Rocha também pediu mais diálogo com o governo estadual. “O sindicato está aberto à conversa. Precisamos construir juntos a regulamentação e o fortalecimento da nossa polícia penal.”

Marcos Frank, presidente do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), reconheceu a sobrecarga dos servidores e o aumento das responsabilidades. “Recentemente, a Polícia Penal passou a monitorar pessoas com tornozeleira eletrônica por violência doméstica. É mais uma função que se soma às demais. É necessário definir limites e garantir apoio”, afirmou. Ele também mencionou a proposta de criação de um Conselho Nacional de Diretores da Polícia Penal, formado apenas por policiais penais, aprovada por unanimidade no Conselho Nacional dos Secretários de Administração Penitenciária.

Carlos Leopoldo, presidente da Associação dos Servidores do Sistema Penitenciário (Asspen-AC), chamou atenção para os impactos emocionais da profissão. “Temos perdido colegas por depressão, ansiedade e até suicídio. Precisamos cuidar das pessoas, não só das grades e das armas. A associação tem promovido torneios e ações sociais para aliviar o peso que esses profissionais carregam. Mas isso não basta. O Estado precisa fazer sua parte”, declarou.

Ferdinando Gregório, presidente da Associação Nacional dos Policiais Penais (Ageppen-Brasil), ressaltou o papel estratégico do Acre na segurança pública. “O estado é a principal barreira contra o crime que vem de fora. É uma região de fronteira e precisa ser tratada com atenção especial. Não existe segurança sem uma polícia penal forte. Mais de 90% das informações sobre o crime estão dentro dos presídios. Se não atuarmos com respaldo legal e estrutura, todo o sistema falha”, afirmou.

Gregório também destacou a articulação feita com o senador Sérgio Petecão (PSD) para criar uma frente parlamentar em defesa da Polícia Penal no Senado. “Foi um ato histórico, inédito no país, e partiu do Acre. O estado é o coração da luta nacional pela valorização da nossa categoria”, disse.

Ao final do ato, o sentimento era de união e resistência. “A luta não acabou. É só o começo”, concluiu Rocha.

Sair da versão mobile