A busca por um planeta desconhecido em nosso Sistema Solar inspira astrônomos há mais de um século. Agora, um estudo recente sugere um possível novo candidato, que os autores do artigo apelidaram de Planeta Y.
O astro não foi detectado diretamente, mas inferido pelas órbitas inclinadas de alguns objetos distantes no Cinturão de Kuiper — um grande anel de corpos gelados além da órbita de Netuno. Algo, dizem os pesquisadores, deve estar perturbando essas órbitas e causando a inclinação.
“Uma explicação é a presença de um planeta invisível, provavelmente menor que a Terra e maior que Mercúrio, orbitando nas regiões mais distantes do Sistema Solar”, disse o autor principal Amir Siraj, astrofísico e doutorando no departamento de ciências astrofísicas da Universidade de Princeton.
“Este artigo não é a descoberta de um planeta, mas certamente a descoberta de um enigma para o qual um corpo é a solução mais provável.” Siraj e seus coautores relataram os resultados na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society: Letters.
O Planeta Y é o mais recente de uma série de mundos hipotéticos do Sistema Solar propostos nos últimos anos, todos com características ligeiramente diferentes, mas coletivamente acreditados como possíveis habitantes do Cinturão de Kuiper — também lar de Plutão, o antigo nono astro rebaixado a anão em 2006.
O motivo de tantos candidatos a “nono planeta” surgirem é que o local é uma região escura e distante, de observação difícil e incompleta. Mas esses obstáculos devem mudar, já que um novo telescópio, o Observatório Vera C. Rubin, está prestes a iniciar seu levantamento de 10 anos do céu noturno.
“Acho que dentro de dois a três anos teremos uma resposta definitiva”, disse Siraj. “Se o Planeta Y estiver no campo de visão do telescópio, ele poderá ser encontrado diretamente.”
Um debate intenso
Após a descoberta de Netuno em 1846, astrônomos continuaram a procurar por outro astro no Sistema Solar, que no início do século 20 ficou conhecido como Planeta X, nome popularizado por Percival Lowell. Ele suspeitava que anomalias nas órbitas de Netuno e Urano eram causadas por um corpo distante ainda não descoberto.
Quando Plutão foi descoberto em 1930, foi proclamado como o nono planeta, inicialmente considerado o Planeta X.
Mas logo se percebeu que Plutão era pequeno demais para justificar as irregularidades. No início dos anos 1990, dados da sonda Voyager 2 revelaram que Netuno tinha menos massa do que se pensava, explicando as perturbações sem necessidade de um Planeta X.
A busca foi retomada em 2005, quando três astrônomos — entre eles Mike Brown, do Caltech — descobriram Éris, um corpo gelado um pouco maior que Plutão e também orbitando no Cinturão de Kuiper.
Essa descoberta levou ao rebaixamento de Plutão para planeta anão. Em 2016, Brown e Konstantin Batygin publicaram a hipótese de um novo astro, o chamado Planeta Nove.
Esse seria de cinco a dez vezes a massa da Terra, orbitando muito além de Plutão, a cerca de 550 vezes a distância Terra-Sol. Ao longo dos anos, cientistas já levantaram hipóteses sobre corpos ocultos de tamanhos variados, de corpos do porte de Marte até um “super Plutão”.
Siraj afirmou que a busca pelo Planeta Nove ou pelo Planeta Y é um debate acalorado na astronomia. “É uma discussão muito empolgante, e foi justamente essa polêmica que nos motivou a investigar. Temos sorte de viver em uma época em que essas descobertas podem acontecer”, disse.
Segundo ele, o Planeta Nove e o Planeta Y não são mutuamente exclusivos, e ambos podem existir.
A investigação de Siraj sobre o Planeta Y começou há cerca de um ano, quando ele tentava determinar se o Cinturão de Kuiper é plano.
“Os astros do Sistema Solar têm pequenas inclinações, mas no geral seguem um mesmo plano, como sulcos em um disco de vinil”, disse. A expectativa era que os corpos gelados além de Netuno apresentassem a mesma orientação, mas não foi o que se observou.
“Foi uma grande surpresa ver que, além de cerca de 80 vezes a distância Terra-Sol, nosso sistema parece estar inclinado em cerca de 15 graus. Isso foi o que motivou a hipótese do Planeta Y”, afirmou.
“Tentamos explicar essa inclinação de outras formas, mas chegamos à conclusão de que um corpo é necessário. Se fosse algo relacionado à formação do Sistema Solar, ou resultado da passagem de uma estrela, essa inclinação já teria desaparecido.”
Siraj e colegas realizaram simulações computacionais incluindo todos os planetas conhecidos e um planeta hipotético. Ao ajustar os parâmetros, perceberam que hipóteses como o Planeta Nove não funcionavam para o modelo, e precisavam de outro corpo.
“O Planeta Y provavelmente tem entre a massa de Mercúrio e a da Terra, orbitando a 100 a 200 vezes a distância Terra-Sol, inclinado pelo menos 10 graus em relação aos outros corpos”, disse.
Em busca de clareza
Como o Cinturão de Kuiper é difícil de observar, astrônomos dependem do estudo das órbitas de um número limitado de objetos. No estudo de Siraj, foram cerca de 50 corpos — um número pequeno, o que torna a existência do Planeta Y incerta.
“Com esses cerca de 50 objetos, a significância estatística fica entre 96% e 98%”, disse. “É forte, mas não definitivo.”
Esse cenário deve mudar com o início da missão do telescópio Vera Rubin, instalado no Chile a 2.682 metros de altitude e equipado com a maior câmera digital do mundo, capaz de fotografar o céu inteiro a cada três dias.
“É realmente um feito de engenharia”, disse Siraj. “Basicamente, vamos ter um ‘filme’ do universo, com um quadro a cada três dias. É o levantamento ideal para mapear o Sistema Solar e procurar objetos distantes, inclusive planetas ainda não vistos.”
O estudo é uma nova forma de investigar a deformação sutil do nosso sistema externo, disse Konstantin Batygin, do Caltech, que estuda o Planeta Nove, mas não participou da pesquisa. “Nos próximos anos, o Observatório Vera Rubin revelará a estrutura dinâmica do sistema solar externo com clareza sem precedentes”, afirmou.
Samantha Lawler, da Universidade de Regina, também destacou que os resultados são interessantes, mas não definitivos. “Não acho que haja boas evidências para um planeta grande e distante causando o agrupamento de órbitas do Cinturão de Kuiper”, disse.
“Mas há indícios promissores de que exista um corpo menor que esteja deformando sutilmente as órbitas de alguns objetos muito distantes.”
Patryk Sofia Lykawka, da Universidade Kindai, no Japão, acrescentou: “A ideia de que um planeta do porte entre Mercúrio e a Terra cause essa inclinação é plausível. Isso reforça a hipótese de que há um corpo ainda não descoberto nas regiões externas do Sistema Solar. Além disso, mostra como é crucial pesquisar objetos transnetunianos, especialmente no Cinturão de Kuiper, já que eles guardam as chaves para entender como o sistema solar se formou há bilhões de anos.”
Por: CNN Brasil