Faltando menos de duas semanas para o início da COP30, em Belém, cientistas ressaltam que a crise climática tem avançado mais rápido que as soluções. Florestas, solo e oceanos estão se tornando menos capazes de absorver os gases causadores do efeito estufa, e as temperaturas globais continuam subindo aceleradamente. É o que mostra relatório da The Earth League, um consórcio internacional de cientistas e especialistas em clima, divulgado nesta quarta-feira (29/10).
Para ajudar na formulação de políticas públicas eficientes, 70 pesquisadores coordenaram uma consulta on-line com cerca de 150 especialistas de diversos países. As contribuições foram analisadas e organizadas em dez tópicos principais, fundamentados em estudos científicos, e distribuídas em três frentes: evidências da aceleração do aquecimento global, impactos observados e possíveis caminhos para aprimorar a mitigação.
O documento aponta que os recordes de temperaturas registrados em 2023 e 2024 podem estar relacionados com um desequilíbrio energético na Terra, indicando uma aceleração do aquecimento global. Esse fenômeno é impulsionado sobretudo pela menor reflexão da luz solar, causada pela redução da quantidade e da refletividade das nuvens sobre os oceanos e da diminuição da cobertura de gelo. Conforme a publicação, somente a ocorrência do fenômeno El Niño não é capaz de explicar todas as anomalias de temperaturas verificadas nesses dois anos.
“A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou que 2024 foi o ano mais quente já registrado, com temperaturas médias atingindo 1,55 °C acima dos níveis pré-industriais”, detalha Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro da equipe que formulou o relatório. Ela ressalta ainda que o aumento contínuo das temperaturas tem alimentado eventos extremos — como ondas de calor, secas, incêndios florestais, tempestades e inundações — com mais intensidade e frequência, causando perdas humanas e econômicas.
De acordo com Bustamante, o aquecimento fora da curva também veio acompanhado de recordes nas ondas de calor oceânicas, assim como pela perda acelerada de massa de geleiras e elevação do nível do mar. Em 2024, a temperatura média da superfície do mar ficou 0,6°C acima da média de 1981 a 2019, e cerca de 0,9°C acima dos níveis pré-industriais.
Mais extremos
Conforme Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, as evidências mais fortes desse desequilíbrio energético são os eventos climáticos extremos. “O próprio estudo destaca isso, e, de fato, temos registrado novos extremos praticamente toda semana. O exemplo mais recente é o furacão Melissa, que atingiu a Jamaica, um dos mais intensos da história, deixando um rastro de devastação que ainda se estende por Cuba e outras ilhas do Caribe.”
Prado destaca que há sinais claros desse desequilíbrio energético no planeta. “Os relatórios indicam que esse processo tende a se acelerar. Enquanto continuarmos emitindo grandes quantidades de carbono, seja pela queima de combustíveis fósseis, seja pelo desmatamento, o aquecimento global se intensificará, tornando os eventos extremos cada vez mais frequentes, intensos e rápidos.”
Conforme a publicação, os efeitos desse aquecimento incluem desde perdas de biodiversidade, com declínio ou redistribuição de diversas espécies marinhas, até impactos econômicos para quem sobrevive nesses ecossistemas. O aumento da temperatura da superfície do mar também alimenta o agravamento da crise, com águas mais quentes, o oceano absorve menos gás carbônico, um dos principais responsáveis pela crise climática, afetando sua capacidade de reduzir o impacto das emissões humanas.
Mais ambição
O relatório também destacou outros oito pontos importantes, como o esgotamento de águas subterrâneas, o aumento de surtos de doenças impulsionadas pelo calor, como a dengue, e os riscos provocados por incêndios florestais. Bustamante alertou que as ações voluntárias dos países para mitigação climática — as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) — precisam ser mais ousadas e eficientes. “Se totalmente implementada, a última rodada de NDCs reduziria as emissões globais em apenas 5,9% até 2030, bem abaixo dos 42% necessários para limitar o aquecimento a 1,5°C ou dos 28% para mantê-lo abaixo de 2°C”, explicou. “Enquanto isso, os indicadores climáticos seguem sinalizando crescente preocupação”, completou.
A coautora do trabalho ressaltou ainda que a urgência de avançar na implementação de novas metas climáticas cresce diante dos repetidos atrasos de diversos países na apresentação das contribuições nacionais atualizadas, em preparação para a COP30 em Belém. A equipe espera que o relatório sirva de base para as discussões e propõe medidas prioritárias.
“COP da ação”
Para Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esta deve ser a COP da ação. “Não é mais apenas sobre acordos — é sobre fazer acontecer o que foi acordado.”
Segundo o especialista, é necessário definir metas ambiciosas, e, acima de tudo, colocar em prática as ações. “A ação é agora: adaptar as cidades é agora, reduzir as emissões de gases de efeito estufa é agora. Essa ação precisa acontecer. A COP30 tem que ser o momento da virada para a ação, quando deixamos de apenas discutir e passamos a agir de forma concreta.”
Por: Correio Braziliense






