Aprender muda o mapa de quem mora longe. No Acre, a internet que oscila, a estrada de barro ou de água viram parte do roteiro de estudo de quem quer falar inglês ou espanhol. O Centro de Estudos de Línguas à Distância (CEL EaD), da Secretaria de Estado de Educação (SEE), abriu uma porta simples e poderosa: aulas on-line regulares que alcançam as zonas urbana e rural.
O projeto oferece turmas de inglês e espanhol em sete municípios: Xapuri, Acrelândia, Epitaciolândia, Sena Madureira, Brasiléia, Feijó e Tarauacá, e combina encontros ao vivo (síncronos) com atividades independentes (assíncronas). As aulas ocorrem duas vezes por semana: segundas e quartas para espanhol; terças e quintas para inglês. Quem tem internet acompanha de casa; quem não tem, estuda nos polos presenciais da rede.
De 2011 a 2025, somando as frentes do CEL, 12.722 alunos concluíram formação em idiomas. O número ajuda a explicar a adesão no interior, onde o curso aparece como oportunidade real de ampliar horizontes acadêmicos e profissionais.
A GAZETA conversou com quatro desses alunos da zona rural, de diferentes municípios, que seguem firmes nos estudos, determinados a dominar um novo idioma e ampliar suas oportunidades.

Professora dribla dificuldades para estudar e levar o inglês seus alunos
A professora, Angélica Gomes, de 33 anos, é moradora da zona rural do município de Feijó e sempre sonhou em aprender a falar inglês.
“Quando eu soube que tinha essa possibilidade de inglês online, eu não perdi tempo. Já fui logo me inscrevendo e, graças a Deus, deu certo. Para mim, era um sonho retornar a esse curso”, conta. Anos antes, ela estudava presencialmente em Rio Branco, mas precisou interromper os estudos por causa do trabalho e durante a pandemia voltou a morar em Feijó.
Porém, Angélica relata que o acesso à internet ainda é um grande obstáculo. “A primeira metade do ano eu fiquei sem estudar, porque não tinha internet. Eu tinha que atravessar o rio por cerca de 40 minutos de canoa a remo para ir para casa de uma vizinha, andar mais um pedaço na praia, sob o sol quente, só pra conseguir assistir à aula”, relata.
A professora também compartilha o que aprende com seus próprios alunos na zona rural. “Eu tenho alunos do sexto ao nono ano e cinco do primeiro ano do ensino médio estão todos em uma sala só, é uma luta complicada. Eles nunca tiveram um professor que se interessasse em ensinar inglês, pelo menos o básico. O pouco que eu sei, eu assisto novamente às aulas no Classroom e tento levar algum entendimento para eles, de uma forma mais simples. Mesmo meu inglês ainda sendo ruim, eles adoram o que ensino, porque é algo completamente novo para eles”, conta.
Aprender e se conectar: o espanhol como ferramenta de comunicação na região de fronteira com a Bolívia
Moradora de Epitaciolândia, munícipio que faz fronteira com a Bolívia, Joseane Melo, de 29 anos, encontrou no ensino de espanhol do Centro de Estudo de Línguas (CEL Online) uma oportunidade de aprender outro idioma. Ela começou o curso em 2024, ano em que a primeira turma foi aberta para a comunidade em geral.
“Inicialmente era só para os alunos da rede pública. E quando abriu para a comunidade, eu fiquei extremamente feliz, consegui garantir a minha vaga”, relembra. Com as aulas transmitidas pelo Google Meet, Joseane participa das atividades de casa, do trabalho e até do carro, aproveitando a flexibilidade do formato EaD.

A escolha de Joseane pelo espanhol levou em conta a sua posição geográfica. Ela uniu o aprendizado à convivência diária na fronteira. “Eu moro na região de fronteira, a gente convive muito com os bolivianos e os peruanos. A gente precisa ter esse entendimento do espanhol para poder se comunicar com eles, que nem sempre entendem o português que a gente fala, e nem a gente entende o espanhol que eles falam. Algumas palavras eu não consigo traduzir”, explica.
Inglês como passaporte para o mundo
O estudante de 18 anos, Kermerson do Nascimento sonha em viajar para fora do Brasil. O morador da zona rural de Sena Madureira encontrou no estudo do inglês a oportunidade de realizar o sonho de estudar fora do país. “O que me motiva a estudar inglês é viajar para o exterior, quem sabe ganhar uma bolsa de estudo nos Estados Unidos”, conta.
Fora o estudo da segunda língua, Kemerson se dedica à escola e conta que incentiva os amigos a fazerem o curso de idiomas. “Consegui convencer quatro colegas a entrarem no Centro de Línguas. Eu sempre tento dar conselho para eles continuarem”, afirma.
Porém, apesar da dedicação e esforço, ele comenta sobre as dificuldades de acessar as aulas por conta da internet, já que ele utiliza o sinal de um vizinho. “Por esses motivos eu passo aperreio na hora de estudar, às vezes nem dá de estudar”, diz.

Democratizando o aprendizado
O professor do quadro Ead, Paulo Alencar explica que o Projeto Céu EAD tem como missão democratizar o acesso ao aprendizado de línguas estrangeiras, oferecendo oportunidades a pessoas que, de outra forma, talvez não pudessem estudar inglês ou espanhol. Segundo ele, a modalidade de ensino a distância permite que moradores de cidades do interior e de zonas rurais também desenvolvam fluência em um novo idioma.
“Desmistificando o aprendizado do inglês. Ela não é uma língua distante, certo? E sim uma ferramenta de comunicação global que está presente em nosso dia a dia. Além disso, eu sempre busco fazer com que os meus alunos não sejam apenas consumidores de cultura, mas que eles também possam produzir cultura, usando o inglês para falar sobre si mesmos e sobre as suas comunidades, as suas experiências, as suas vivências, as suas tradições, aspectos que são intrínsecos a eles”, conta o professor.

“CEL EaD é um sonho realizado”
A modalidade EaD também alcançou a moradora de Acrelândia, Elcilia de Jesus Alves Moura, 33 anos. Professora da rede pública, ela entrou no curso pelas vagas remanescentes e, desde então, concilia rotina escolar, demandas pessoais e estudos para não perder nenhuma aula.
“A coordenação da escola entende a importância dessa formação e me libera para participar. É uma oportunidade única, eu preciso aproveitar”, conta. O estilo de ensino online torna mais fácil o acesso ao professor, o que ajuda Elcilia. “Se tenho dúvida, pergunto e ele explica na hora, até fica uns minutinhos a mais quando precisa.”
O que ela aprende no curso de inglês, leva para a sala de aula onde leciona, adaptando o método para seus alunos. “Tudo que aprendo, tento levar para eles”, diz. Entre desafios e conquistas, Elcilia segue motivada e sonha em avançar ainda mais no idioma. “Se o curso abrir módulos mais avançados, estarei lá. Para mim, o CEL EaD é um sonho realizado.”

CEL EaD: referência em ensino de idioma
A professora de espanhol Ghislaine Brito, da Divisão de Ensino de Línguas da Secretaria Estadual de Educação, contou que o Centro de Estudo de Línguas nasceu a partir de uma ideia do Secretário de Estado de Educação, Aberson Carvalho. O objetivo do projeto é ampliar a oferta dos ensinos de inglês e espanhol.
O ensino a distância é oferecido através da disponibilização do link da sala virtual no Google Meet ou os alunos podem se deslocar para os polos de ensino.
O desenho pedagógico prioriza comunicação, prática oral e repertório cultural, para além da gramática. Segundo a coordenação, a evasão no on-line é menor que no presencial, pela comodidade e pelo valor percebido do curso por quem vive longe da capital.

“A gente começou com esses sete municípios por conta dos polos, porque a gente sabe que nos municípios a realidade da internet não é tão acessível como aqui na capital. Então, pensando nessa parceria, nessa possibilidade de os alunos conseguirem acessar a internet através dos polos, a gente começou por eles”, explica Ghislaine.
A equipe tem observado que a evasão dos alunos da modalidade online é menor do que a dos alunos que fazem as aulas presencialmente.
“Eu acho que isso se deve a alguns fatores. Primeiro, pela comodidade que os alunos têm, a possibilidade de assistir as aulas de casa. Então, eles têm essa possibilidade mesmo, de conseguir acessar os materiais, de também assistir as aulas do conforto da sua casa, não precisa se transladar de um lugar para outro. Então, eu acho que isso possibilita, facilita o estudo, até porque porque eles são alunos que veem o alcance desse curso, estudar inglês e espanhol, como algo que talvez eles não tivessem condicionado. Então, eles valorizam mais, vamos assim dizer. Eles têm uma valorização maior em cima disso, com relação aos alunos daqui da capital”, relata.
A professora enxerga a execução desse projeto como um divisor de águas para os estudantes do interior, principalmente os da zona rural.
“Eu acho que seria muito importante frisar a importância que a Secretaria de Educação está proporcionando a esse curso para esse pessoal nos municípios. Posso tirar pela minha experiência pessoal, eu tenho aprendido uma língua estrangeira me fez olhar o mundo com outros olhos, me possibilitou ver essa questão da diversidade, da pluralidade, entender a diferença que tem um com o outro e saber respeitar essa diferença”, relembra.

O Centro de Estudo de Línguas (CEL) é um projeto que foi idealizado por alguns anos e passou a funcionar no ano de 2011, com o objetivo de ser um suporte para a Secretária de Educação em relação ao ensino público de educação, tendo como público-alvo os estudantes esses estudantes.
“A gente sabe que dentro do currículo, a carga horária é mínima e que também as metodologias dentro da escola, da rede, elas são voltadas muito para estudo da gramática, mas pouca conversação, pouca oralidade. Realmente esses alunos não conseguem desenvolver uma fluência e aí o CEL veio para suprir essa carência, essa necessidade para que o Acre pudesse ter esse centro que fosse referência”, explica Simone Brito, coordenadora geral do Centro de Línguas.

Acre aposta no ensino de línguas para mudar cenário de baixa proficiência
O Acre enfrenta grandes desafios para melhorar o domínio de línguas estrangeiras. No Índice de Proficiência em Inglês da Education First (EF), o estado registrou o segundo pior desempenho do país, com 443 pontos, segundo dados do Centro de Lideranças Públicas (CLP) divulgados em julho. O estudo, baseado em 2,1 milhões de testes online voluntários no mundo, também mostrou queda do Brasil no ranking global, da 70ª para a 81ª posição entre 116 países.
Para Simone Brito, coordenadora geral do CEL, esses números refletem não apenas o inglês, mas também o ensino de espanhol e Libras, especialmente nos municípios, onde há carência de profissionais capacitados.
“O Acre é o penúltimo estado em termos de domínio de inglês, e essa carência se estende ao espanhol e à Libras, principalmente em escolas de ensino especial. O governo tem essa preocupação há muito tempo”, explica.
O CEL foi criado justamente para enfrentar esses desafios e ampliar o acesso ao aprendizado de línguas no estado. “O projeto tem 15 anos, mas começou a ser pensado há cerca de 20 anos. Desde sua implantação em 2011, tem dado certo. O CEL é uma escola de referência, não só pelo que fazemos aqui, mas pelos depoimentos de alunos e famílias que passaram pelo centro”, conclui Simone.