Cultivar bons laços sociais e amizades fortes não é somente uma questão de bem-estar emocional, mas pode ser, também, um fator determinante para a saúde física e o funcionamento do cérebro. Estudos recentes reforçam que conexões profundas e duradouras influenciam desde processos biológicos fundamentais do envelhecimento até padrões de comportamento e atividade neural.
Uma pesquisa publicada na revista Brain, Behavior and Immunity Health, baseada em dados de mais de 2.100 adultos, revelou que o acúmulo das chamadas vantagens sociais ao longo da vida — que vão do afeto parental na infância às relações comunitárias, de fé e de amizade na vida adulta — está associado a um envelhecimento biológico mais lento.
Os pesquisadores, liderados por Anthony Ong, professor de psicologia da Universidade Cornell, observaram que indivíduos que desenvolveram mais vínculos sólidos apresentaram perfis mais jovens.
Essa vantagem também se refletiu em níveis mais baixos de inflamação crônica, incluindo concentrações reduzidas de interleucina-6 — molécula associada a doenças cardíacas, diabetes e neurodegeneração. No entanto, os cientistas não encontraram relações significativas entre essas vantagens sociais e marcadores de estresse de curto prazo, como o hormônio cortisol, sugerindo que o impacto positivo dos vínculos sociais ocorre por vias biológicas mais duradouras.
O professor Ong destaca que o diferencial do estudo foi a abordagem multidimensional das relações. Em vez de considerar fatores isolados — como ser casado ou ter muitos amigos —, os pesquisadores analisaram a trajetória completa dos elos. “A vantagem social cumulativa está ligada à profundidade e à amplitude das suas conexões ao longo da vida. Esses recursos se somam e se reforçam, moldando a saúde de maneiras mensuráveis.” Para o autor principal, investir cedo e continuamente em vínculos significativos funciona como “uma conta de aposentadoria biológica”: quanto mais sólida, mais lento o processo de envelhecimento celular.
Isolamento envelhece
Fernanda Rasia, psiquiatra do instituto Inki, conta como, de acordo com alguns estudos, o isolamento social, ou a perda de vínculos afetivos significativos, acelera o envelhecimento celular por meio do aumento da ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) — que atua na regulação neuroquímica e hormonal. “Isso acaba causando uma elevação sustentada de cortisol, além de uma maior produção de citocinas pró-inflamatórias e a desregulação de neurotransmissores.”
Conforme Rasia, esses processos aumentam a vulnerabilidade a transtornos psiquiátricos, tanto por mecanismos diretos de neuroinflamação e estresse oxidativo, quanto pela deterioração da plasticidade neural. “De forma oposta, as amizades de longo prazo parecem atuar na modulação da atividade do sistema nervoso autônomo, na liberação de neuromoduladores como oxitocina e dopamina. Relações sociais estáveis reduzem a ativação crônica do HHA, o que diminui o risco de inflamação sistêmica.”
Outra pesquisa, publicada na revista JNeurosci por Jia Jin e colegas da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, na China, complementa esse panorama ao investigar como as amizades influenciam o cérebro e o comportamento. Em experimentos com 175 participantes e neuroimagem de 47 voluntários, os cientistas descobriram que amigos tendem a avaliar produtos de maneira mais parecida e que essa semelhança aumenta conforme o vínculo se aprofunda.
Sincronização neural
As imagens cerebrais revelaram sincronização de atividade neural enquanto amigos assistiam a anúncios juntos. As áreas ativadas estavam ligadas a percepção visual, atenção, memória, julgamento social e processamento de recompensas. Mais surpreendente ainda, padrões de atividade cerebral podiam prever não só as intenções de compra do próprio participante, mas também as de seus amigos próximos.
Segundo os autores, essa convergência neural ajuda a explicar como relações sociais influenciam comportamentos cotidianos, especialmente no consumo. Quanto mais forte a amizade, maior a tendência de alinhamento entre escolhas e preferências.
Conforme Izabelle Santos, psicóloga hospitalar do Hospital Anchieta, em Brasília, as evidências científicas reforçam que cuidar das relações é uma forma de olhar para a própria saúde. “Investimentos consistentes em vínculos sociais trazem benefícios emocionais e biológicos. Envelhecer bem envolve manter-se saudável e conectado, já que o afeto acolhe, fortalece e também protege o corpo.”
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Cuidado integral
A qualidade das amizades exerce um papel determinante no bem-estar emocional e físico. Isso ocorre porque conexões afetivas de qualidade fortalecem a sensação de apoio emocional, regulam respostas ao estresse e influenciam processos fisiológicos essenciais, contribuindo para uma vida mais saudável e equilibrada. As intervenções psicológicas têm um papel fundamental no fortalecimento das redes de apoio. A meia-idade e a velhice são períodos marcados por mudanças, perdas e redefinições que podem favorecer o isolamento. No consultório, o psicólogo pode auxiliar o paciente no desenvolvimento de habilidades sociais, na ressignificação de vínculos e no engajamento em atividades que favoreçam a convivência. Estratégias terapêuticas que incentivam a participação comunitária e o reconhecimento das próprias necessidades emocionais ajudam a reconstruir laços e a ampliar o senso de pertencimento. Dessa forma, o indivíduo se conecta novamente a relações que sustentam não somente a saúde emocional, mas também a fisiológica.
Izabelle Santos, psicóloga hospitalar do Hospital Anchieta
Remédio para o envelhecimento
Ajudar um amigo de forma prática, auxiliando nas atividades domésticas, preparando uma refeição ou buscando alguma encomenda pode ajudar no bom humor dos idosos. É o que revelou uma nova pesquisa da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicada recentemente na revista Research on Aging, que se aprofundou no impacto emocional do apoio da amizade na terceira idade.
Crystal Ng, coautora do estudo e pesquisadora da Universidade de Miami, destacou que, apesar da resistência masculina, as amizades têm benefícios únicos para ambos os sexos, algo que nem mesmo a família não consegue substituir. “Como os amigos são escolhidos e geralmente trazem alegria, eles podem ser especialmente importantes para o bem-estar emocional na terceira idade, particularmente para aqueles que são solteiros, viúvos, divorciados ou não têm filhos”, disse ela.

A pesquisa é uma das primeiras a examinar, em contextos cotidianos, como a convivência com amigos próximos influencia o humor diário de pessoas mais velhas e como essas relações variam entre homens e mulheres. Para o estudo, os pesquisadores entrevistaram 180 idosos com idade média de 74 anos, que relataram suas interações de apoio e humor a cada três horas, durante cinco ou seis dias.
O amparo emocional liderou a lista de formas pelas quais os idosos ajudam seus amigos, segundo o estudo, seguido por conselhos e assistência prática. “Existe o estereótipo de que, na velhice, os idosos geralmente só recebem apoio por serem frágeis, mas muitos idosos ainda oferecem ajuda”, disse Ng.
Conexão ativa
As descobertas destacaram novas chances para alimentar o bem-estar e a conexão na terceira idade. Segundo Ng, ações práticas podem refletir um envolvimento ativo e externo e, muitas vezes, envolvem esforço físico ou cognitivo, o que pode reforçar o senso de propósito e utilidade dos idosos. Para os homens mais velhos, em particular, promover essas formas ativas e práticas de ajudar pode se revelar especialmente valioso a longo prazo.
Para a psicóloga e psicanalista Silvia Oliveira, de Brasília, quando se fala de apoio emocional na velhice, se aborda também o legado. “Muitos idosos desejam deixar marcas positivas em seus vínculos, mas esbarram em modelos rígidos que seguiram por décadas. Reconhecer essas barreiras é o primeiro passo para construir relações mais acolhedoras.”
E prossegue: “Vale lembrar: nunca é tarde para aprender novas formas de cuidar e ser cuidado”. Segundo ela, o desenvolvimento emocional continua ao longo de toda a vida, e pequenas mudanças de postura podem transformar profundamente a qualidade das relações e a saúde mental na idade avançada.
Além do apoio social diário aos amigos, os pesquisadores planejam examinar no futuro a generosidade baseada na amizade. Além disso, pretendem investigar em pesquisas futuras quem motiva os amigos a prestar cuidados.
Por: Correio Braziliense








