Doce por natureza, mas com um passado potencialmente criminoso? Esta não é a trama de um novo drama policial. É sobre o pote de mel na sua cozinha.
A maior parte do mel provém de colônias de abelhas melíferas manejadas . Milhares de abelhas operárias coletam néctar das flores , levam-no de volta à colmeia e o transformam em mel. Mas, com o aumento da demanda global e os altos preços alcançados por méis especiais, o mel tornou-se um dos alimentos mais adulterados do mundo.
A fraude com mel geralmente assume duas formas. A primeira envolve a alteração do próprio mel . Alguns produtores diluem o mel com xaropes de açúcar mais baratos. Outros amadurecem artificialmente o mel imaturo por meio da desidratação ou até mesmo alimentam as abelhas diretamente com soluções de açúcar, criando um produto que apenas se assemelha ao mel verdadeiro.
Uma investigação conjunta da Comissão Europeia e do Gabinete Europeu de Luta Antifraude analisou o mel importado para a União Europeia entre 2021 e 2022. Constatou-se que 46% das remessas testadas apresentavam indícios de conter xarope de açúcar adicionado. A razão é simples e económica. Produzir mel natural é dispendioso e demorado, enquanto os xaropes de arroz ou de milho são muito mais baratos de produzir e vender.
Rotulagem incorreta de origem e qualidade
O segundo tipo de fraude é mais sutil. Os rótulos afirmam que o mel provém de uma planta ou local específico quando, na realidade, foi obtido a partir de uma mistura de mel de qualidade inferior ou de fontes importadas. O mel de manuka é um exemplo bem conhecido. Ele é vendido por um preço significativamente maior do que o mel comum de supermercado, o que o torna um alvo atraente para rotulagem enganosa.
Os consumidores costumam escolher o mel por acreditarem que ele é natural ou saudável. Pesquisas também mostram que muitas pessoas estão dispostas a pagar mais por mel local, puro e rastreável. No entanto, a maioria dos países, incluindo o Reino Unido, não produz mel suficiente para atender à demanda interna e depende fortemente das importações. Isso cria oportunidades para mistura, reetiquetagem e fraude antes que o mel chegue às prateleiras dos supermercados.
A fraude no mel não se resume apenas a prejuízos econômicos. Ela também levanta preocupações sobre a segurança do consumidor. Quando o mel é adulterado para fins lucrativos, a saúde raramente é prioridade. Um estudo europeu constatou que alguns méis importados continham traços de pesticidas, metais pesados, medicamentos veterinários e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos ( HAPs). Essas substâncias, em grandes quantidades ou por exposição prolongada, podem ser prejudiciais. Alguns pesticidas e metais pesados podem afetar o sistema nervoso ou outros órgãos. Os medicamentos veterinários podem causar reações alérgicas ou resistência a antibióticos. Os HAPs são substâncias químicas formadas durante a combustão incompleta e algumas são reconhecidamente cancerígenas.
Embora os efeitos dessas substâncias no mel sobre a saúde não sejam totalmente compreendidos, algumas pesquisas sugerem que o mel adulterado com adição de xaropes de açúcar pode causar um aumento mais acentuado nos níveis de açúcar no sangue do que o mel natural, elevando potencialmente o risco de diabetes. A fraude também mina a confiança pública e dificulta a competição para os apicultores honestos.
Já existem ferramentas científicas desenvolvidas para proteger a autenticidade do mel. Testes químicos podem detectar xaropes de açúcar que não deveriam estar presentes no mel genuíno. Outro método, conhecido como melissopalinologia , envolve o exame dos grãos de pólen naturalmente presentes no mel para identificar de quais plantas e regiões ele provém. Cada espécie vegetal produz um pólen distinto que os especialistas conseguem reconhecer ao microscópio.
No entanto, a análise de pólen é trabalhosa e requer especialistas treinados. É aí que a inteligência artificial começa a ajudar. Modelos de aprendizado de máquina foram testados para identificar grãos de pólen no mel e os primeiros resultados são promissores. Muitos estudos relatam taxas de precisão acima de 90%.
O desafio reside na complexidade do pólen. Cada grão de pólen é uma estrutura tridimensional que pode apresentar inúmeras orientações, e cada espécie vegetal produz pólen com características únicas. Para que a inteligência artificial funcione em larga escala, ela precisa ser treinada com extensos bancos de dados de imagens de tipos de pólen conhecidos. Atualmente, esse banco de dados está incompleto.
Ainda assim, a combinação de aprendizado de máquina com análises químicas pode mudar a forma como o mel é verificado. A inteligência artificial pode ajudar a automatizar a identificação do pólen e compará-lo com dados químicos, permitindo que órgãos reguladores e produtores testem mais amostras, com mais rapidez e precisão. Isso dificultaria a entrada de mel falsificado nas cadeias de suprimentos e nos armários das casas. A tecnologia ainda está em desenvolvimento, mas as perspectivas são positivas.
Por enquanto, o pote de mel na sua mesa de café da manhã ainda pode guardar segredos. Mas, à medida que os métodos científicos avançam e a inteligência artificial se torna mais sofisticada, estamos nos aproximando de um futuro em que o mel poderá ser considerado confiável não apenas por sua doçura, mas também por sua integridade.
Por: Revista Galileu








