A cada novo caso de violência contra a mulher, uma realidade se impõe no Acre: as vítimas têm cor. E é a mesma, quase sempre. “A maioria das mulheres que sofrem violência é negra, e isso não pode ser tratado como acaso. É resultado direto do racismo estrutural que atravessa a vida dessas mulheres desde muito cedo”, afirma, de forma contundente, Joelda Pais, diretora de Políticas para Mulheres da Secretaria de Estado da Mulher (Semulher).
Ela lembra que os números são duros e falam por si. “O Observatório de Violência do Ministério Público mostra que quase 80% dos feminicídios no país atingem mulheres negras. O país está dizendo pra gente quem mais morre, e por quê”, dispara. Isso faz com que as mulheres negras convivam com uma dupla vulnerabilidade, que vem do sexismo e do racismo.
Na prática, o problema se evidencia no mercado de trabalho, já que as mulheres negras frequentemente ocupam a base da pirâmide social com os menores salários; na saúde, já que enfrentam maiores dificuldades no acesso, o que resulta em maior mortalidade materna e acesso a serviços: devido à desigualdade, as mulheres negras vivem em áreas com piores condições estruturais, segundo explicou a diretora.

Além disso, em 2025, durante os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, a secretaria decidiu escancarar o recorte racial dessa realidade, trazendo para o centro do debate o impacto emocional, físico e social do racismo. “A violência não chega sozinha. Ela vem acompanhada de humilhações, discriminações e traumas que se acumulam ao longo da vida. O racismo adoece, fragiliza, tira forças”, reforça Joelda.
Para enfrentar esse cenário, a Semulher implantou ciclos terapêuticos específicos para mulheres negras, em parceria com a Associação de Mulheres Negras do Acre. São grupos de escuta, acolhimento e fortalecimento. “Esses encontros são para que as mulheres possam respirar, reconstruir autoestima, entender seus direitos e, principalmente, perceber que não estão sozinhas. O racismo deixa marcas profundas, e cuidar dessas marcas também é política pública”, ressalta.
Mudança social
A diretoria destaca que a mobilização não se limita ao atendimento individual. “Se a sociedade continuar fingindo que racismo não existe, a violência contra mulheres negras vai continuar sendo naturalizada. A educação é uma das chaves, diz ela. É por isso que equipes estão indo às escolas das redes pública e privada para debater com adolescentes sobre racismo, violência contra meninas e caminhos para pedir ajuda. “Quando um jovem entende que discriminar é violência, ele já rompe um ciclo antes de começar”, completa.
As ações também se espalham pelos municípios, por meio dos Centros de Referência da Mulher em Epitaciolândia e Cruzeiro do Sul, e pelo Centro Especializado de Atendimento à Mulher em Sena Madureira, que replicam e ampliam as iniciativas da secretaria.
Joelda reforça que o combate à violência não é responsabilidade apenas do poder público. “Esse problema é nosso, de todas as pessoas, de todas as famílias, de todas as comunidades religiosas e da sociedade civil. Se uma mulher negra sofre, todos nós fracassamos como sociedade”, afirma. E completa: “Se queremos falar de Consciência Negra, precisamos começar reconhecendo e enfrentando a desigualdade que insiste em matar e silenciar mulheres negras todos os dias”, finaliza.
Convênio e fortalecimento
Ainda no último dia 6 de agosto, a Semulher firmou termo de fomento com a Associação de Mulheres Negras (AMN), com o objetivo de fortalecer a prevenção e o enfrentamento à violência contra as mulheres negras de todo o estado.

O documento concede apoio financeiro da administração pública estadual às organizações da sociedade civil para a execução de projetos, voltados a contribuir, de forma ampla, com políticas públicas para a população feminina.
“Essa é mais uma parceria que o governo do Estado vem trazendo em benefício da sociedade. Estamos sempre ao lado das organizações da sociedade civil, para encontrar meios e caminhos de combater a violência e o feminicídio. A Semulher tem esse olhar atento e sensível aos recortes, com a transversalidade de políticas que alcançam a comunidade e mudam a vida de muitas mulheres”, ressaltou a secretária de Estado da Mulher, Márdhia El-Shawwa.






