Segurança fundiária e redução do desmatamento: estudo inédito de professor da Ufac é destaque em revista internacional
Em parceria com outros dois pesquisadores, João Paulo Mastrangelo analisou dados de mais de 35 mil propriedades rurais do Acre e demonstrou como a garantia de posse segura da terra para o produtor, não apenas títulos legais, ajuda a conter a garantir o maior cumprimento das leis florestais e a conter o desmatamento na Amazônia
Um novo estudo científico assinado pelo professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) João Paulo Santos Mastrangelo, em parceria com o professor Alexandre Gori Maia, do Instituto de Economia da Unicamp, e da professora Stella Zucchetti Schons, do Departamento de Recursos Florestais e Conservação Ambiental da Universidade Estadual da Virgínia (EUA), traz um recado poderoso: políticas ambientais só funcionam quando investem no que realmente muda o comportamento das pessoas. E, na Amazônia, isso significa uma combinação decisiva entre capital humano – que engloba conhecimento, previsibilidade e capacidade de planejar – e segurança fundiária.
Mastrangelo explica de maneira simples e direta. “Na prática, tudo se resume a uma lógica muito simples: quando o produtor tem segurança de que a terra é realmente dele, ele muda o seu comportamento sobre ela”.
João Paulo Mastrangelo realizou o estudo em parceria com os professores Alexandre Gori Maia, da Unicamp, e Stella Zucchetti Schons, da Universidade Estadual da Virgínia (EUA). Fotos: cedidas
Publicado na renomada revista científica World Development, o estudo analisou dados de mais de 35 mil propriedades rurais no Acre. Os pesquisadores compararam as propriedades com limites de terra declarados com as que tinham reivindicações sobrepostas ou contestadas.
Os resultados foram claros: propriedades com direitos de terra seguros desmataram menos e eram mais propensas a cumprir o Código Florestal do Brasil, que limita o desmatamento a 20% da área de cada propriedade.
“Encontramos uma ligação direta e causal entre a posse segura da terra e o desmatamento mais baixo”, disse Mastrangelo. “Não se trata apenas de ter um pedaço de papel que diz que você é o dono da terra. É sobre se a sociedade reconhecer e o Estado proteger essa propriedade.
Em muitas partes da Amazônia, mesmo os proprietários de terras com títulos oficiais enfrentam incertezas. A longa história de especulação imobiliária, ocupação e fragilidades na governança do mercado de terras criou situações em que várias pessoas reivindicam a mesma parcela de terra. Quando a propriedade é disputada ou mal governada, o desmatamento geralmente ocorre – uma forma de os ocupantes demonstrarem o “uso produtivo” da terra e fortalecerem suas reivindicações sob a lei brasileira.
Para estudar essa dinâmica, os pesquisadores usaram um novo indicador de segurança fundiária: a ausência de limites sobrepostos no Cadastro Ambiental Rural ou CAR. Este sistema nacional exige que os proprietários de terras enviem mapas dos limites de suas propriedades e relatem quanta floresta resta em suas terras. As sobreposições entre os mapas sugerem possíveis disputas ou governança fraca – e, como o estudo constatou, taxas mais altas de desmatamento.
Entre 2009 e 2018, as propriedades sem sobreposições de limites apresentaram 1 a 3 pontos percentuais a menos de desmatamento do que aquelas com sobreposições. As propriedades seguras também tinham 5 a 11 pontos percentuais mais chances de cumprir o Código Florestal, dependendo do uso anterior da terra. Mesmo entre as propriedades legalmente tituladas, a presença de reivindicações sobrepostas apagou muitos dos benefícios ambientais da propriedade da terra.
“Isso mostra que a titulação de terras por si só não é suficiente”, disse Mastrangelo. “O que realmente importa é a confiança de que seus direitos serão respeitados e que a sociedade e o Estado os reconhecem e os aplicam”.
Outro ponto central da pesquisa é desfazer a impressão de que impactos de 1 a 3 pontos percentuais seriam pequenos. Mastrangelo explica que números modestos escondem um efeito colossal quando ampliados à escala amazônica. “No Acre, a nossa base de dados cobre quase 6 milhões de hectares. Reduzir o desmatamento em apenas 1 ponto percentual nessa escala já significa dezenas de milhares de hectares de floresta preservada”, destaca.
Os pesquisadores também reforçam a robustez metodológica da análise. Para evitar confundir associação com causalidade, foram usadas técnicas avançadas como Inverse Probability Weighting (tradução: Ponderação de Previsibilidade Inversa) – uma técnica estatística que utiliza pesos para ajustar dados de estudos observacionais, simulando um experimento randomizado ao equilibrar as características entre grupos – e modelos com efeitos fixos por proprietário.
Mais do que estatísticas
Mais do que estatísticas, a pesquisa revela um mecanismo social: quando há segurança, há investimento; e quando há incerteza, há desmatamento.
Ele detalha que, sem conflitos, o produtor tem previsibilidade, investe no longo prazo e evita riscos que podem levar a multas ou embargos. Já em áreas com insegurança fundiária acontece o oposto: ações imediatistas, desmatamento para “marcar presença” e menos investimento em conservação.
Qual é o principal gargalo fundiário do Acre?
Para Mastrangelo, o maior entrave não é falta de títulos, nem apenas falhas técnicas do CAR, mas a incapacidade de transformar informação em governança efetiva. “O maior gargalo é a ausência de uma governança fundiária integrada”.
Essa visão coloca o estudo no centro do debate contemporâneo sobre Amazônia. Se a floresta depende de decisões humanas, e se essas decisões dependem de segurança, estabilidade e conhecimento, então o caminho para preservar o bioma passa primeiro por fortalecer pessoas, instituições e direitos.
Além disso, reforça a necessidade de uma visão política na qual governos e organizações fundiárias e ambientais devem olhar além dos programas de titulação para fortalecer a governança local da terra. O fortalecimento de instituições que possam definir, monitorar e defender claramente os direitos à terra, de conselhos comunitários a agências ambientais, pode ser mais eficaz a longo prazo do que apenas a emissão de novos títulos, defendem os pesquisadores.
“Os direitos de propriedade são a base tanto para a proteção ambiental quanto para o desenvolvimento econômico. Se quisermos que políticas como mercados de carbono ou pagamentos por serviços ecossistêmicos funcionem, precisamos saber quem é responsável pela terra e se esses direitos são realmente protegidos”, conclui.
Sobre o pesquisador acreano
João Paulo Mastrangelo é engenheiro florestal de formação, com mestrado em Desenvolvimento Regional e doutorado em Desenvolvimento Econômico, pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, ele é professor na Universidade Federal do Acre, na área de Economia e Política florestal. Foi Secretário de Estado do Acre de Floresta e, posteriormente, de Meio Ambiente, entre 2011 e 2017.