Alex Leandro Bispo dos Santos, preso por espancar a mulher momentos antes de ela cair do 10º de um prédio e morrer, recebeu R$ 12 milhões da produtora executiva da cinebiografia de Jair Bolsonaro (PL). A verba teve como origem um contrato da prefeitura de São Paulo para instalar e manter wi-fi gratuito em comunidades carentes.
Documento obtido pela coluna mostra as assinaturas de Alex Bispo, da mulher morta, Maria Katiane Gomes da Silva, como testemunha, e Karina Pereira da Gama, presidente do Instituto Conhecer Brasil (ICB) e produtora executiva do filme “Dark Horse” a partir da produtora Go Up, na qual é sócia.
Reportagem do The Intercept, publicada nesta quinta-feira (10), mostra que o ICB foi contratado pela prefeitura de São Paulo em junho do ano passado, por R$ 108 milhões, para instalar e manter por um ano 5.000 pontos de wi-fi gratuito em regiões de baixa renda na cidade. A contratação aconteceu a partir de um edital que tinha ao menos 20 irregularidades, segundo o Tribunal de Contas do Município, entre elas a escolha de uma ONG para prestação do serviço com critérios genéricos.
Enquanto a Prodam — uma “gov tech” municipal especializada em serviços do tipo — cobra R$ 306 para manter funcionando pontos de wi-fi, o ICB foi contratado pela gestão Ricardo Nunes (MDB) ao custo de R$ 1.800 por cada ponto instalado e mais R$ 1.800 por mês pela manutenção de cada um desses pontos. Pelo plano de trabalho, a fase de planejamento iria até dezembro e a instalação começaria em janeiro de 2025.
Mas o plano foi alterado poucos dias depois, a pedido da prefeitura, para que a instalação começasse já em setembro, ganhando fôlego em outubro, mês da eleição municipal. Até junho de 2025, 3.200 pontos foram postos em funcionamento, de acordo com o ICB.
Ali, a gestão Nunes aceitou um acordo incomum: considerar 30 de junho de 2024 como data-base de instalação de todos os pontos, ainda que os relatórios detalhassem a data correta que o wi-fi começou a funcionar em cada localidade. No total, de acordo com o Intercept, a prefeitura pagou R$ 26 milhões ao ICB pela manutenção de pontos de que ainda não existiam.
O papel de Alex Bispo
E é aí que aparece Alex Leandro Bispo dos Santos, homem que já havia cumprido pena pelo sequestro de um sobrinho do deputado estadual Eduardo Suplicy (PT). Uma empresa dele, a Favela Conectada, foi contratada como terceirizada para realizar o serviço de manutenção, recebendo R$ 712 por mês por ponto. Em um dos pagamentos, a empresa recebeu 12 “mensalidades” de manutenção de internet por 218 pontos instalados entre 22 e 28 de abril de 2025, em um contrato que valia só até 30 de junho — logo, o serviço só funcionou por pouco mais de dois meses, mas recebeu por 12.
Enquanto a prefeitura pagou R$ 2,7 milhões à ONG presidida pela produtora do filme de Bolsonaro só pela manutenção desses 128 pontos, o custo efetivo do serviço que chegou à população (no máximo três meses de internet gratuita) foi de apenas R$ 273 mil, considerando o custo de R$ 712 por ponto. No total, a Favela Conectada foi contratada para instalar 2.000 pontos.
Apesar da grandiosidade do acordo de R$ 12 milhões entre o ICB e o Favela Conectada, a assinatura do contratado aparece somente sobre o nome “Alex” e o CPF “XXX” no contrato juntado à prestação de contas. Depois, o nome completo e CPF de Alex Leandro Bispo dos Santos aparecem em um termo de operação de dados assinado também por Maria Katiane Gomes da Silva, a mulher morta.
O Favela Conectada funciona no mesmo prédio de um escritório cujo aluguel era pago pelo ICB com recursos do contrato. Até mesmo o cheque caução do aluguel, de R$ 18 mil, entrou na prestação de contas apresentada à prefeitura.
Alex Leandro foi preso nesta terça-feira (9/12), suspeito pela morte da esposa, Maria Katiane. Ela foi brutalmente espancada por ele em estacionamento de um prédio e dentro do elevador de um edifício na zona sul de São Paulo. Depois de ser agredida, morreu ao cair pela janela do 10º andar. Imagens de câmera de segurança mostram o casal discutindo, momento em que o agressor inicia a série de agressões.
O crime ocorreu na madrugada de 29 de novembro, mas somente nessa terça-feira Alex teve a prisão preventiva decretada. Nas imagens referentes ao elevador, é possível ver quando o suspeito tenta agarrar o pescoço da vítima e, menos de dois minutos depois, a retira do local de forma brusca.
Maria tenta se segurar, mas não consegue. Cerca de um minuto após sair com a vítima, o homem retorna sozinho ao elevador, coloca as mãos na cabeça e se senta, em um gesto que aparenta desespero. O caso é investigado pela 89ª Delegacia de Polícia (Jardim Taboão) como feminicídio.
Procurada, a prefeitura de São Paulo não respondeu antes da publicação da reportagem. Na nota ao Intercept, disse que “considera irresponsável qualquer associação entre as autorizações mencionadas para filmagens” e o programa WiFi Livre SP e defendeu o programa, “tão fundamental que dá acesso à internet a milhares de famílias vulneráveis na cidade”.
“A organização social cumpriu todas as exigências previstas no edital, e a prestação do serviço está em andamento com 3.200 pontos de Wi-Fi implementados e 1.800 pontos previstos para 2026. O prazo de execução precisou ser ampliado mas sem qualquer custo adicional à Prefeitura. A contratação de uma OSC ocorreu porque a Prodam não pode atuar em ambientes privados. Além disso, organizações sociais têm maior expertise na atuação direta às comunidades. Já a antecipação de roteadores foi formalizada por um Plano de Trabalho com o objetivo de acelerar o atendimento em regiões que apresentavam demanda social urgente por conectividade. A cidade tem hoje 7.923 pontos de Wi-Fi instalados e ativos”, disse a prefeitura.
A coluna não conseguiu contato com o ICB, nem com a defesa de Alex Bispo. O telefone da empresa dele está fora do ar.
Por Metrópoles







