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Arqueólogos descobrem evidência mais antiga de uso intencional do fogo por ancestrais humanos

Arqueólogos descobrem evidência mais antiga de uso intencional do fogo por ancestrais humanos

Escavações no sítio arqueológico de Barnham, na Inglaterra. Pesquisadores encontraram restos de fogueira antiga no local — Foto: Rob Davis et al.

Arqueólogos que investigavam um sítio arqueológico em Barnham, no leste da Inglaterra, anunciaram a descoberta da evidência mais antiga de produção intencional de fogo por grupos humanos. Os resultados, publicados nessa quarta-feira (10) na revista Nature, reposicionam em aproximadamente 400 mil anos o marco da manipulação deliberada de chamas, e alteram de forma significativa a compreensão sobre a evolução cognitiva e tecnológica dos neandertais.

Como indica a agência Reuters, os primeiros indícios de que Barnham poderia abrigar vestígios de uma fogueira humana surgiram em 2021, quando sedimentos aquecidos propositalmente foram verificados no local. Após quatro anos de análises geoquímicas, arqueológicas e ambientais, a equipe responsável demonstrou que as cinzas e as alterações térmicas encontradas não poderiam ser atribuídas a queimadas naturais.

Entre os elementos decisivos para essa conclusão estão marcas de combustão intensa em sedimentos, ferramentas de sílex fraturadas pelo calor e fragmentos de pirita, historicamente utilizado para produzir faíscas quando friccionado contra sílex. A presença do metal foi o “momento-chave” da investigação, porque o mineral é raro na região e, portanto, deveria ter sido levado ao local de forma intencional. Machados de pedra encontrados no sítio podem ter servido para triturar o material e facilitar a geração de faíscas.

Testes geoquímicos indicaram temperaturas superiores a 700°C, chegando a ultrapassar 750°C em alguns pontos — patamares difíceis de serem alcançados por incêndios naturais. Análises microscópicas e espectroscópicas comprovaram que o aquecimento ocorreu no local, resultado de fogueiras repetidamente reacendidas. A detecção de padrões de hidrocarbonetos associados à combustão local de madeira reforçou a interpretação de uso continuado do fogo.

Produção das chamas
Os autores do estudo atribuem o domínio da técnica a neandertais primitivos, grupo que habitou a Europa durante o Pleistoceno Médio. Embora o sítio de Barnham não tenha produzido fósseis humanos, achados de crânios com características neandertais em Swanscombe, a apenas 160 km de distância, ajudam a estabelecer a conexão temporal e biogeográfica. Esses fósseis, comparáveis a materiais de Atapuerca, na Espanha, datam de aproximadamente 430 mil anos.

Em coletiva de imprensa, Chris Stringer, paleoantropólogo do Museu de História Natural de Londres, explicou que esses indícios permitem concluir que os responsáveis pela produção do fogo não eram Homo sapiens. Nossa espécie só iniciou sua expansão para fora da África cerca de 100 mil anos atrás, assim, as chamas foram geradas por parentes evolutivos diretos dos neandertais.

Fragmentos de biface e pirita de um paleossolo — Foto: Rob Davis et al.
Fragmentos de biface e pirita de um paleossolo — Foto: Rob Davis et al.

A capacidade de criar e manter fogueiras foi um dos grandes pontos de inflexão na história humana. O controle do fogo permitiu cozinhar alimentos, eliminar patógenos, reduzir toxinas de raízes e tubérculos e facilitar a digestão de carnes. Isso liberou energia fisiológica para o desenvolvimento cerebral e facilitou a sobrevivência em ambientes frios, viabilizando ocupações mais amplas.

Para além dos benefícios nutricionais, o fogo teria promovido interações sociais estruturadas. As fogueiras funcionavam como centros de convivência noturna, favorecendo comunicação, transmissão de conhecimentos, contação de histórias, divisão de tarefas e formação de laços sociais – aspectos fundamentais para a emergência de comportamentos complexos nos hominídeos.

Relevância arqueológica
A robustez dos dados de Barnham constitui, segundo especialistas, o conjunto mais consistente já identificado para demonstrar a produção deliberada de fogo por pré-Homo sapiens. O sítio destaca-se ainda por reforçar a hipótese de que, há cerca de 400 mil anos, grupos humanos já se encontravam na fase inicial da “domesticação do fogo”.

Por mais que outros sítios europeus apresentem evidências de uso do fogo em cronologias semelhantes, nenhum havia revelado até agora indícios tão claros de produção deliberada. A hipótese é fortemente apoiada pela associação direta entre pirita, sílex e materiais queimados.

Ao deslocar em aproximadamente 350 mil anos o marco da produção intencional de fogo, o estudo reposiciona a compreensão sobre a inteligência, a cultura material e a adaptabilidade dos neandertais. A descoberta sugere que esses grupos não apenas dominavam técnicas sofisticadas, mas tinham capacidade de planejar, transportar recursos específicos e manter atividades de longa duração em acampamentos próximos a fontes de água.

Por: Revista Galileu

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