O Acre vive um paradoxo inquietante no enfrentamento ao HIV. Isso porque, muito embora a ciência tenha transformado o HIV em uma doença crônica, controlável e que, em alguns casos, torna-se até indetectável, jovens voltaram a adoecer gravemente e a morrer por falta de diagnóstico precoce, prevenção e adesão ao tratamento. O alerta é do médico infectologista Thor Dantas, feito pelas redes sociais nesta segunda-feira, 29.
“O serviço onde eu trabalho ficou cheio de pacientes jovens internados, com quadros avançados, morrendo ou ficando com sequelas graves. Não é aceitável essa realidade mais em 2025”, afirmou o especialista, ao analisar o cenário acreano durante o Dezembro Vermelho, mês dedicado à luta contra o HIV/Aids.
Dados recentes da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) reforçam a preocupação. Nos últimos três anos, o estado registrou mais de 950 casos de HIV, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Foram cerca de 317 diagnósticos em 2023, 354 em 2024 e 283 até novembro de 2025. Embora haja uma redução em relação ao ano passado, o volume acumulado evidencia que a epidemia segue ativa.
O perfil das novas infecções praticamente não mudou. Mais de 70% dos casos são em homens, e a maior concentração está entre jovens adultos de 20 a 39 anos, faixa etária que, segundo Thor Dantas, deveria ser prioridade absoluta das políticas públicas.
“A infecção hoje é uma doença crônica, facilmente tratável. Quem se cuida, toma seus remédios e faz seus exames tem qualidade e tempo de vida iguais a quem não tem HIV”, destacou. Para o médico, o problema não está na falta de conhecimento científico, mas na falha em levar esse conhecimento à população que mais precisa. “Precisamos de campanhas modernas, com linguagem atual, usando redes sociais, influenciadores e artistas. É preciso explicar o que mudou, como se transmite, como se previne e as consequências graves de não tratar.”
Entre as principais lacunas apontadas por Thor está o acesso limitado às ferramentas de prevenção combinada, especialmente à PrEP (profilaxia pré-exposição), que reduz de forma comprovada o risco de infecção. “O Acre foi o último estado a adotar a PrEP no SUS e ainda é muito pouca gente usando. Se ela estivesse amplamente disponível, muitas dessas mortes entre jovens poderiam ser evitadas”, afirmou. Ele defende que a PrEP seja oferecida de forma ampla nas unidades básicas de saúde.
O infectologista também cobra a ampliação da PEP (profilaxia pós-exposição), que deve ser tratada como emergência médica. “A PEP precisa estar disponível 24 horas por dia em todas as unidades de pronto atendimento. E as pessoas precisam saber quando e como acessar”, reforçou.
Diagnóstico tardio
Outro ponto crítico é o diagnóstico tardio. “As pessoas ainda estão descobrindo o HIV em estágios avançados. A testagem precisa ir para onde os jovens estão: universidades, festas, eventos, bares. Toda vez que alguém teve relação sem camisinha, precisa se testar”, defendeu.
Para Thor Dantas, o caminho está posto, mas falta agir com urgência. “As ferramentas existem. Precisamos incorporar novas tecnologias, parcerias com plataformas digitais e aplicativos de encontro, fortalecer a vigilância e agir junto aos municípios. Não é possível continuar vendo tantos jovens morrerem de uma doença que hoje tem tratamento eficaz”, concluiu.