A secretária substituta de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Francis Mary Alves de Lima, nomeou ontem o coor-denador do Comitê Estadual de Enfrentamento e Prevenção à Tortura, Valdecir Nicácio, para acompanhar o caso do preso provisório Magaiver Batista de Souza, 23, encontrado morto dentro da Unidade Penitenciária Antônio Amaro Alves, na virada do ano.
Magaiver era acusado de estuprar e matar a enteada de apenas dois anos, no dia 25 de dezembro do ano passado, no município de Sena Madureira. Preso no presídio Evaristo de Moraes e alvo de constantes ameaças de morte, ele foi transferido para a UP-AAA, em Rio Branco, onde deveria ser mantido em segurança até o dia do julgamento.
No dia 31 de dezembro do ano passado, o acusado foi encontrado morto, preso a grades das celas por um lençol, num suposto caso de suicídio. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) apontou como causa da morte traumatismo craniano.
O caso está sendo investigado através de Inquérito Policial instaurado na Delegacia Geral de Polícia Civil e por Procedimento Administrativo conduzido pelo Instituto de Administração Penitenciária (Iapen). Tanto na esfera administrativa como criminal, a investigação busca esclarecer em quais circunstâncias ocorreram à morte do preso e se houve algum tipo de omissão por parte da segurança.
“É um fato lamentável. Esperamos que o caso seja devidamente esclarecido e se houverem culpados que os mesmos sejam denunciados”, disse Francis Mary. Ela acredita que a presença de um representante do Comitê Estadual de Enfrentamento e Combate a Tortura é fundamental para que a sociedade fique bem informada sobre o caso.
Histórico tenebroso
Desde a inauguração em 15 de dezembro de 2003, este é o terceiro caso de suposto suicídio registrado no presídio Antônio Amaro Alves. Moisés dos Santos Lima Góes, 27 anos, condenado a 37 anos de prisão pela morte, mediante vio-lência sexual de uma menina de apenas 5 anos de idade, teria sido o primeiro a tirar a própria vida dentro do presídio classificado de segurança máxima. Ele teria se enforcado com a própria cue-ca em setembro de 2004.
O segundo caso, ainda em investigação, é de Martini Martiniano de Oliveira. Ele Tinha 49 anos e era a principal testemunha do assassinato do médico Abib Cury, há 11 anos. Sua morte ocorreu no dia 7 de abril do ano passado, em decorrência de traumatismo craniano. Ele caiu de cabeça no chão de concreto do presídio ao tentar o enforcamento através de uma corda tipo “tereza”. Magaiver seria a terceira vítima.
No decorrer desse período também foram registradas quatro tentativas de suicídio e o caso de um preso que foi torturado e teve os testículos amputados por um colega de cela. Extraoficialmente, com base em informações repassadas por agentes penitenciários e negadas pela direção do presídio, tentar contra a própria vida é uma ocorrência comum dentro da unidade. A maioria dos casos estaria relacionada ao abandono do preso por parte da família, principlmente pela companheira.
Já as mortes decretadas pelo comando paralelo que domina o presídio estão relacionadas a casos de violência sexual, principalmente contra crianças, como é o caso do preso Magaiver Batista de Souza, que era acusado de provocar a morte de uma menina de apenas dois anos após um estupro.
Quem pagará essa conta imoral?
Afonso Braña Muniz*
Inicialmente, deixo claro que não estou aqui pra defender “marginal” ou “bandido”, como assim o povo denomina os presos.
Após engolir a seco inúmeros episódios ocorridos no sistema prisional acreano e aparatos policiais do Estado do Acre, não deu mais pra degustar essa. Na edição de domingo/segunda (02.01.2010) de A GAZETA a manchete de capa é: Iapen diz que padrasto que estuprou e matou a enteada em Sena Madureira se suicida dentro do presídio “Antonio Amaro”. Entretanto, o IML declara que a causa da morte foi traumatismo craniano, em decorrência de um enorme corte encontrado no couro cabeludo e marcas de espancamento. Está lá no jornal, não com essas palavras, claro.
É importante frisar que o preso não caiu de nenhum penhasco, logo, alguém fez aquilo. Como fizeram com outros presos, p. ex. no caso do Moisés, estuprador e assassino da menina Jéssica – que se suicidou de joelhos dobrados, justamente na hora em que faltou energia -, dentre outras barbaridades em que se apressam pra dizer que foi suicídio quando os próprios laudos oficiais dizem o contrário.
Não quero aqui julgar antecipadamente ninguém, mas essas barbaridades, chamadas de “suicídios” recorrentes, já que a nossa Lei Maior não prevê pena de morte, têm que acabar, sob pena de vermos o retorno da Lei de Talião, a famosa do “dente por dente e olho por olho”. A Idade Média já passou.
Caros leitores, não vivemos mais sob o império de uma Ditadura não, durante a qual o jornalista (Vladimir Herzog) também se “suicidou”, dentre inúmeros outros. Alguém tem que fazer alguma coisa. É o Estado que se responsabilizou para guardar e proteger o preso, até o seu julgamento, que está permitindo que tais fatos horrendos ocorram no sistema prisional. Por exemplo, a família do Martiniano não se conforma até hoje com o seu “suicídio”. Também é dever do Estado evitar o suicídio.
Ademais, isso tem uma enorme conta além da humana, social e cultural, que é a econômica. E somos nós, toda a população do Estado do Acre, quem vai pagar pelos delitos e desmandos dos seus servidores públicos, quer sejam dolosos ou culposos. E essa conta é muito cara, são milhões de reais em condenações que poderão advir dos processos de indenização por danos materiais e morais, movidos pelas famílias dos mortos no sistema prisional ou delegacias ou quartéis etc. Essa conta eu não desejo pagar, por isso exijo desde já a sua extinção.
Eu, como cidadão acreano e Agente, também, do Estado conclamo a todas as autoridades competentes e sociedade civil organizada a exigir o devido esclarecimento dessas “cartas marcadas”, e a punição exemplar de todos os envolvidos, tudo de acordo com as Leis vigentes deste país. Do contrário, vamos ter que nos conformar também quando inocentes estiverem tomando esse mesmo caminho nefasto. E não podemos reclamar de que somos um Estado primitivo.
* Afonso Braña Muniz
é juiz de Direito