Dentre tantas opiniões, abalizadas, sobre o aborto, que voltou ao debate público nesta semana, com passeata bastante concorrida, suscitando a possibilidade de plebiscito, me chama a atenção uma assertiva, que li algures: “Nem a ciência nem a religião podem dar uma resposta satisfatória e universal sobre quando começa a vida – se na concepção, ao longo do desenvolvimento fetal ou no nascimento”.
Reconheço que o tema é polêmico, afinal quando se refere à ocorrência de abortos, já não se admite qualquer solução simples, no terreno médico, social ou ético-religioso, pois que, alguém já disse, o aborto se estabelece numa das mais sérias epidemias que acometem a sociedade humana. Tem matado mais que as guerras e homicídio. Traz mais destruição do que o violento trânsito das ruas das grandes cidades. Tem ceifado mais vidas que o câncer.
Hoje, no Brasil, apesar do advento da camisinha que presu-mivelmente diminui a gravidez entre a meninada, existem pelo menos 900 mil casos regis-trados; fora miríades de outros que estão acontecendo neste exato momento enquanto lemos este artigo. Sabe-se, entretanto que o Brasil é campeão mundial de casos de abortos, principalmente, entre meninas de 14 a 19 anos.
Mesmo dando crédito a afirmação contida no primeiro parágrafo deste artigo, ouso à luz da teologia-ética sugerir algumas diretrizes preliminares sobre o tema. Os teólogos não têm podido chegar a um acordo sobre quando o espírito vem fazer-se presente em um feto. Alguns dizem que isso acontece no momento da concepção. Se isso é verdade, então o aborto desfaz uma verdadeira personalidade humana e, com a única exceção de se salvar a vida da mãe, é uma forma de homicídio. Porém, outros insistem que a porção imaterial do homem não entra no corpo senão por ocasião do nascimento, ou pouco antes ou depois do nascimento. Com freqüência, dizem alguns estudiosos, essas idéias estão ligadas ao conceito da pré-existência da alma. Portanto, se a alma ainda não está presente por ocasião do aborto, então o ato não destrói uma personalidade humana. Nesse caso, dificilmente poderíamos falar em assassinato de uma vida humana, através do aborto.
Deixando de lado as questões metafísicas, a primeira consideração a ser feita, e a mais básica, é que nenhum aborto é justificável, como tal, depois do feto se tornar viável, isto é, depois do nascimento ser possível. Nesta altura, já não seria sequer uma questão de aborto, mas, sim, matar uma vida humana real. Tirar a vida de um feto viável sem justificativa ética superior seria assassinato. Mas, quando alguém teria justificativas éticas para praticar o aborto?
Debatedores do assunto têm dito – o filósofo cristão Norman Geisler é um deles – que as únicas circunstâncias moralmente justificáveis para o aborto são aquelas em que há um princípio moral superior que possa ser cumprido. Exemplos:
O aborto por razões terapêuticas. Quando é um caso nítido de preservar uma vida real (a mãe) é de maior valor intrínseco em detrimento de uma vida potencial (o bebê não nascido).
O aborto por questões eugênicas. O aborto eugênico é requerido somente quando as indicações claras são que a vida terá condições subumanas, e não simplesmente porque talvez venha a ser uma pessoa deformada.
O aborto na concepção sem consentimento. Uma mãe deve ser forçada a dar luz uma criança concebida pelo estupro? Nenhuma mulher deve ser forçada a levar na madre uma criança que ela não consentiu em ter relações sexuais.
O aborto na concepção mediante o incesto. A concepção incestuosa pode envolver o estupro e as conseqüências eu-gênicas e, portanto pode providenciar uma base ainda mais firme para um aborto justificável. Principalmente nestes dias em que virou moda padrastos incomodarem, com toda sorte de libinagens, e engravidarem suas enteadas.
Concordo com alguns especialistas, que nenhum aborto é justificável depois de oito semanas de vida (embrião). A partir deste ponto, dizem eles, qualquer ato de alegação justificável de tirar a vida de um feto teria de ser classificado como eutanásia, que é uma questão ética ainda mais complexa.
Por outro lado, o simples fato de uma mãe não desejar o bebê não é motivo suficiente para apagar uma vida humana em potencial. Os caprichos ou desejos pessoais de uma mãe não tomam prioridade sobre o valor do embrião ou do seu direito de viver.
* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador (de gabinete) em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: assisprof@yahoo.com.br