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Uma festa com o toque brasileiro de Paulo Coelho na Abadia de Melk, na Áustria

O lendário Caminho de Santiago, que reproduz a peregrinação do discípulo de Jesus, Tiago, pela Europa começa na Áustria. Mais especificamente em Melk. Uma pequena cidade às margens do Rio Danúbio que tem atualmente pouco mais de 10 mil habitantes. O Caminho de Santiago é importante para a peregrinação de católicos do mundo inteiro porque segunda a tradição cada passo em direção ao destino de Santiago de Compostela, na Espanha, significa uma avanço na jornada interior de autoconhecimento de cada peregrino. No Brasil, toda mística em torno da jornada foi divulgada pelo escritor Paulo Coelho através do seu livro, O Diário de Um Mago.

Inspirado pelas tradições do Caminho de Santiago, há 23 anos, o escritor brasileiro mais conhecido no mundo convida seus amigos para comemorar o Dia de São José. A festa pode acontecer em qualquer parte do mundo. Paulo Coelho adotou o costume de celebrar o seu nascimento no dia do seu santo padroeiro, nos anos 80, quando percorreu o Caminho de Santiago. Mas a festa de 2010 teve ingredientes inéditos. A comemoração que recebeu mais de 100 pessoas de várias partes do mundo aconteceu num dos lugares mais importantes da Igreja Católica. Com mais de 900 anos de tradição, a Abadia de Melk, na Áustria, é o centro religioso beneditino que inspirou o escritor italiano Humberto Eco a escrever um dos maiores best-seller da história da literatura universal: “O Nome da Rosa”. Na Abadia, no século IX, viviam os monges copistas que produ-ziam as versões manuscritas da Bíblia e do Evangelho, antes do surgimento das máquinas de imprensa. Atualmente a biblio-teca da Abadia de Melk tem mais de 600 mil títulos.

Os motivos que propiciaram a possibilidade da festa acontecer num lugar tão importante para o cristianismo foram também surpreendentes. Paulo Coelho teve recentemente um encontro com os padres da Abadia. Eles o convidaram para participar da apresentação de lançamento do livro do padre Burkhard Ellegast, Der Weg Des Raben (O Caminho de Raven). Como a data prevista era justamente o dia 19 de março, Dia de São José, Paulo declinou do convite explicando ter compromisso com seus amigos para a sua tradicional festa. Para a sua surpresa, o clérigo, sugeriu que Paulo convidasse-os para depois da apresentação literária jantar na Abadia. Assim, a festa que aconteceria em Genebra, onde atualmente Paulo mora e passa mais tempo, acabou se transferindo para a Abadia de Melk.

Na sexta-feira (dia 19), mais de mil pessoas ocuparam todos os lugares da majestosa Catedral da Abadia para ouvirem o diálogo entre o padre doutor Burkhard Ellegast e o Best-seller brasileiro. Cantos gregorianos criaram o clima de espiritualidade para o padre austríaco ler trechos do seu livro em alemão. Depois fazia perguntas para Paulo Coelho que respondia em inglês. Uma sinfonia literária bilíngüe que durou mais de duas horas. Os temas tratados giraram sobre a fé, a efemeridade da vida e a sexualidade humana, um assunto surpreendente para ser tratado numa igreja, segundo Paulo. Visivelmente emocionado com o cenário litúrgico ancestral da sua conferência, Coelho, afirmou: “Esse momento mudou a minha vida”.

O autor brasileiro contou sobre as suas três internações em instituições psiquiátricas e a perseguição política que sofreu durante a ditadura militar no Brasil. “Meus pais me internaram por três vezes, mas nunca me senti uma vítima. Passei pela tortura e a prisão, mas sobrevivi. Paguei o preço das minhas escolhas. O momento é que faz a diferença. As pessoas podem transformar o mundo através das suas atitudes”, sentenciou para a numerosa platéia atenta.

Uma peregrinação pela Abadia
Depois da conferência os 130 amigos do Mago foram conduzidos por monges beneditinos para conhecerem a imensidão de corredores, galerias, museus e bibliotecas da Abadia. Por mais de uma hora um pouco da milenar história artística e literária do mundo se descortinou para os visitantes atônitos. O interessante é que pela antiguidade da Abadia os beneditinos conseguiram fazer uma mistura harmônica com a contemporaneidade. Quadros com mais de mil anos distribuídos em instalações plásticas modernas. Numa das capelas da Abadia um piano milenar com foles imensos encheu os ouvidos dos visitantes “peregrinos” com uma sinfonia sacra contemporânea.

Uma das convidadas de Paulo Coelho que veio do Brasil, a jornalista e apresentadora, Marília Gabriela, comentou: “é uma noite mágica. A Abadia é um lugar de profunda espiritualidade. O diálogo entre os escritores que aconteceu na catedral eu não entendi tudo por conta do alemão. Mas a sonoridade das palavras me encantou. O Paulo Coelho provou que além de ser um Best-seller é capaz de tocar as pessoas com a sua inspiração em qualquer lugar do mundo por onde passa”. 

Depois da tour os convidados foram levados para uma imensa sala subterrânea onde foi servido o jantar. A oração de São José que antecedeu a refeição foi feita em pelo menos 10 idiomas diferentes. Português, inglês, alemão, romeno, espanhol, basco, catalão, italiano, russo e francês. Preces para que São José abençoe a saúde, a fé e o trabalho de todos. Que o Patriarca do Cristianismo possa consolar os desempregados abrindo novos caminhos e oportunidades para que não haja fome e a paz seja vitoriosa sobre a guerra, pregavam as orações nos diferentes idiomas.    

O jantar não desmereceu a imponência do cenário da Abadia, uma entrada com toda a variedade de frios da tradição germano-austríaca. Presuntos, salames, frios defumados, queijos e, mais de uma dezena de tipos de pães. Os pratos quentes a base de vitela, frango e porco acompanhados de molhos típicos da gastronomia re-gional e legumes fartos. Os ingredientes da refeição, os vinhos (Jamek Jochinker Zwegelt 2007) e as cervejas de altíssima qualidade oferecidas aos visitantes foram tudo produzidas pela Abadia. As sobremesas que encantaram os paladares à base de confeitos ricos em frutas e sementes regionais.

A cantora Iva abriu a noite musical cantando baladas sentimentais norte-americanas. Mas a alegria contagiou a todos quando uma Jazz Band austríaca, montada por músicos locais, tocou clássicos do rock e do jazz contemporâneos levando os convidados para a pista de dança. A empolgação foi até altas horas da madrugada com os termômetros externos mostrando temperaturas abaixo de zero. Enquanto isso, Paulo Coe-lho permamenceu mais de duas horas autografando livros trazidos por leitores, fãs e convidados num ritual já tradicional nas suas festas de São José.

 

 

 

 

 

 

 

 

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