Num mundo cujo cenário internacional é sombrio, de caos total, com seus problemas de super população, vulcões em erupção e terremotos em todo lugar; mundo de crime organizado e desorganizado, racismo, drogas em abundância, crises econômicas, guerras institucionais, pobreza e fome generalizadas e atos de terrorismo covardes; mundo em que crianças são assassinadas, estupradas e abandonadas; mundo em que o homem teimosamente não se volta para refletir sobre a verdade subjetiva e, presunçosamente, segue sua sina de evidente desprezo pelas questões metafísicas.
Num mundo de panorama macabro, como o que nós presenciamos atualmente, quase somos tentados a proclamar como proclamava Arthur Schopenhauer (1788-1860): “A vida é um negócio cujos benefícios não compensam os gastos!” Ou então, fazer ecoar o pessimismo de Farias Brito (1862-1917): “Vivemos dolorosamente e temos de morrer: eis aí a verdade suprema!”
Max Scheler (1874-1928) já dizia que em nenhum outro período do conhecimento humano o homem se tornou mais problemático para si mesmo do que nos nossos dias. Por conseguinte já não possuímos nenhuma idéia clara e coerente do homem; dessa forma, nestes dias, apesar dos “modernos” dizerem que estamos experimentando coisas fantásticas, continuamos perdidos, pois que no exprimir de Ernst Cassirer, o que perturba o homem não são as coisas, mas suas opiniões e fantasias em torno delas.
Então, vivemos no meio de um conjunto de dados desconexos e desintegrados, carente, ao que parece, de toda unidade conceitual. Isto é, vivemos acontecimentos que aos olhos de qualquer leigo, não se constituem, necessariamente, numa riqueza de pensamentos. Sobra, então, uma avalanche de informações fragmentadas que não leva a lugar nenhum. Esta avalanche de mensagens daqui e dacolá acabam preenchendo cada recanto do nosso inconsciente e simplesmente expulsa o discernimento e a compreensão da realidade estúpida em que vivemos.
Só para aludir sobre essa estupidez, podemos afirmar que os mitos da cultura moderna nos remetem inexora-velmente a dispa-ridade axiológica, com a sua inversão de valores. Vemos, por exemplo, na cultura do futebol profissional, jogadores que são verdadeiros deuses à luz da raça humana medio-crizada. Acho que já mencionei, em outra oportunidade, que Alceu de Amoroso Lima (1893-1983) no seu “Humanismo Pedagógico” fez crítica contundente contra algumas teorias humanistas (marxista e existencialista), em que o homem é exclusivamente objeto ou apenas um projeto, jamais sujeito da história. Tristão de Ataíde alertava, já na década de 40, e pedia aos que vivem a lida do pensar que fujam dos perigos dos mitos modernos que eram, na sua ótica, riqueza, tecnologia, cultura, classe, nação e raça; realidades relativas que não podem ser absolutizadas.
Sem saída, remeto o meu cogito para as lições deixadas pelo filósofos célebres do tempo antigo. Com estes surge uma nova atitude, que tem êxito devido às condições sociopolíticas: a de não aceitar relatos sobre o mundo com base na tradição, mas questionar e exigir razões para aquilo que é aceito. Também o que se sabe deles é que desprezavam completamente os mitos seculares. Proibiam a si mesmos, todos os prazeres diletantes e irresponsáveis, e repousavam apenas nos braços da filosofia.
O filósofo, diz a tradição filosófica platônica, deve dar as costas ao mundo dos objetos corpóreos, mundo de meia realidade, para ater-se unicamente às relações ideais. A coerência interna do pensamento garante a descoberta da verdade última àquele que for paciente o suficiente para perseguir até o fim o fio dourado da razão. Para tanto se torna necessário subtrair do viver diário as paixões e sensações do mundo empírico e, enquanto, pensamos metafisicamente, nos enchemos de esperança que os homens que dirigem os destinos dos povos consigam encontrar o fio de Ariadne que nos tire desse labirinto.
Além da urgência em nos desligar do materialismo exagerado produto de sistemas empíricos que consideram real só aquilo que é mensurável; que só acreditam no que tocam com os sentidos e com “os instrumentos científicos”, carecemos vislumbrar, a partir de uma perspectiva espiritual, um novo começo depois da morte terrena. Buscar a existência de esferas onde não prevaleça a torpeza humana. Aura de vida em que sejamos libertos das misérias terrenas.
Firmemente convicto desta outra aura de vida, digo para os que não acreditam nessa possibilidade metafísica, o que diria Cícero (104-43 a.C.): “ E se erro ao pensar que as almas dos homens são imortais, erro voluntariamente, e não quero que me tirem desse erro enquanto vivo, porque nele está meu prazer; e se depois de morto (como crêem certos filósofos de pouco renome) não existir nada, não temo que os filósofos mortos ponham-se a rir de meu erro”.
* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador (de gabinete) em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: [email protected]