Está apagando da memória dos navegadores de nossos rios a triste figura de índios expondo e vendendo tracajás aos passantes. Disse-me um tradicional barqueiro do Rio Purus que “por qualquer treis merréis” se comprava um bom tracajá, que seria revendido nos desembarcadouros de Manuel Urbano ou Sena Madureira por cinco vezes mais.
Passava por longe a noção de que esse procedimento contribuiria para a extinção dessa espécie em nossos rios. O Rio Purus, então, era coalhado de bichos de casco. No período de desova os moradores ribeirinhos ficavam esperando as fêmeas botarem seus ovos na praia para, imediatamente, colher tanto os ovos quanto as próprias mães. Era uma dura batalha contra a “Mãe Natureza”. Não sabiam eles que um dia os estoques se esgotariam, sem que esse procedimento representasse a melhora das condições de vida dessas comunidades.
Até que, em 2004, um grupo de abnegados técnicos da então SEATER – mérito do então Secretário Francisco Cartaxo – botaram “mão na massa” a começar por uma reunião das técnicas Edna Costa, Silvana Lessa e Maria Nogueira com comunidades indígenas do Rio Purus, precisamente na Aldeia Nova Aliança (Kaxinawá) que, por ocasião da elaboração do Etnozoneamento, pelo Governo do Estado, essa problemática fora levantada pelas lideranças indígenas, que já estavam inserindo em seus Planos de Gestão, medidas relativas à preservação de quelônios, por sugestão da Comissão Pró-Indio (CPI), que tem sido forte parceira dos povos indígenas do Acre.
A partir daí, foi um sem número de contatos e reuniões com comunidades indígenas de todo o Estado para tratar desse importante assunto. De predadores, passaram a conservadores e protetores dos ovos, filhotes e adultos. Foram-lhes ensinadas as técnicas de manejo. O assunto virou tema nas escolas dos pequenos indígenas. No alto Purus não há quem não tenha ouvido falar de manejo de quelônios. Extinguiram-se vendedores e compradores. O comércio ilegal fechou suas portas. As populações de quelônios já começaram a aumentar. O consumo passou a ser minuciosamente controlado pelas lideranças, de forma a consumir menos do que produz. Cada aldeia, cada comunidade estabeleceu suas próprias regras de conservação. É intenso o intercâmbio entre os “parentes” para nivelar procedimentos, trocar informações, ceder e receber matrizes e filhotes de uma para outra aldeia. O Projeto SOS Quelônios – assunto para outra matéria – tem cedido milhares de filhotes para as comunidades indígenas com a intermediação da SEAPROF e autorização do IBAMA.
É um trabalho bonito de se ver e de se participar, porque os resultados são visíveis de forma muito nítida. A satisfação é evidente, tanto do lado dos beneficiados, quanto dos agentes públicos que o realizam.
Os Agentes Agroflorestais Indígenas – jovens índios formados pela CPI – têm tido participação decisiva como sensibilizadores e potencializadores do processo. Os AAFI’s como são conhecidos, também merecerão uma mmatéria exclusiva, tal a sua importância para o sucesso do empreendimento. Dentre eles, o AAFI Tomás Rodrigues Kaxinawa, da Aldeia Porto Rico tomou a iniciativa de mandar imprimir em sua camiseta a expressão “Aldeia Porto Rico“ (no peito) e “Segurança Ambiental Florestal”(nas costas). O Senhor Francisco Pereira de Aguiar Kaxinawá, AAFI da Aldeia Nova Moema, ao receber uma cartilha sobre Manejo Participativo de Quelônios, editada pela SEAPROF, comprometeu-se, espontaneamente a proferir palestras sobre manejo de quelônio, aos alunos de uma escola de não índios próximo a sua aldeia.
São iniciativas assim que nos enche de esperança de estarmos trilhando o bom caminho.
É claro que muito ainda há a fazer no campo da sensibilização tanto de brancos quanto de índios para a preservação. Pescadores profissionais e amadores ribeirinhos ou não, com freqüência são flagrados capturando animais ou colhendo ovos para consumo ou comercialização ilegal. A Mídia deveria ajudar mais divulgando as boas coisas e denunciando as más. As margens de nossos rios tem “pano pras mangas” para ser divulgado entre nós “caras pálidas” da cidade.
Tenho muitos amigos pescadores de fim-de-semana (e quem não tem?) praticando barbaridades por aí com a fauna silvestre, muitas vezes inconscientemente, outras vezes por diletantismo, pelo simples prazer de “driblar” os órgãos fiscalizadores.
Espero estar ainda por aqui, a tempo de ver essa questão totalmente liquidada, do ponto de vista da preservação ambiental.
Marcelino Cunha
EMATER/SEAPROF