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Revolta e dor marcam enterro de assessora morta a facadas

Um presidiário em regime aberto promoveu um verdadeiro “espetáculo” dos horrores na Capital neste final de semana. A seqüência de crimes foi iniciada por volta das 23h de sábado e só encerrou por volta das 7h30 de domingo. Nesse intervalo – num primeiro momento acompanhado de um comparsa – Gleisson da Silva Andriola, 25, o “Carioca”, aterrorizou, roubou e matou.

“Ele revela uma personalidade psicopática”, disse o secretário de Polícia Civil, Emylson Farias, na manhã de ontem. Segundo ele, “Carioca” demonstrou frieza e falou com naturalidade a respeito dos crimes, oferecendo, inclusive, detalhes dos procedimentos utilizados.

Andriola é natural de Cruzeiro do Sul, onde tem diversas passagens na polícia por prática de furto. Em Rio Branco, foi condenado a seis anos de reclusão, mais pagamento de multa em virtude de um roubo praticado em dezembro de 2008.

Foi posto em regime aberto pela juíza da Vara de Execuções Penais de Rio Branco, Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, em 2 de junho de 2010, sob garantia de que iria atender as exigências impostas para a manutenção do benefício. Uma delas é o recolhimento diário à residência até às 19h, exceto se estivesse trabalhando ou estudando.

Também não poderia mudar de endereço sem comunicação ou prévia autorização judicial. Estando ainda obrigado a comparecer, mensalmente, à Central de Execuções de Penas Alternativas para informar e justificar suas atividades. Além de uma série de outras restrições impostas, como o não consumo de bebida alcoólica.

As orientações e os critérios estabelecidos pelo juízo de Execuções Penais foram simplesmente ignorados pelo presidiário, que voltou a revelar sua personalidade criminosa 48 dias após a liberdade. Para colocar em prática seus planos, buscou um comparsa, o ex-presidiário Jéferson Teixeira de Andrade, 24.


Cronologia dos crimes
Sábado, 23h. A dupla invade o Pronto-Socorro de Rio Branco, rende o vigilante  Alexandro Machado, se apropria da arma dele e inicia a fuga. Eles tentam chegar a uma motocicleta, mas são impedidos pelo vigia vítima do assalto e um colega dele.

Tem início a perseguição. Sem ter como empreender fuga de moto, os bandidos saem correndo em direção a Rua Coronel Alexandrino, Bosque, e ao chegar à Travessa Roraima, invadem a residência do comerciante Kender Conceição Alves da Silva, 32, que é alvejado com seis tiros – um deles na cabeça.

A mulher do comerciante reage e de posse de uma barra de ferro consegue atingir a cabeça do assaltante Jéferson, que ferido, acaba dominado pelos dois vigilantes que estavam em perseguição à dupla.

Neste momento várias viaturas da Polícia Militar chegaram ao local da ocorrência e ao perceberem a gravidade dos ferimentos da vítima chamaram socorro.

Uma equipe de paramédicos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) socorreu Kender que foi encaminhado ao Pronto-Socorro.

Enquanto o comparsa é preso, “Carioca” dá seqüência a fuga em um terreno baldio, invadindo a seguir a casa de Ana Eunice Fontoura, 52. A mulher é feita refém por várias horas e acaba morta às cinco da madrugada.

Após o espetáculo de horrores e sem esboçar qualquer arrependimento, às 7h30 de domingo, “Carioca” se entrega à polícia, que só então constata que Ana está morta.


1 – A dupla invade o Pronto-Socorro de Rio Branco, às 23 horas de sábado, rende o vigilante  Alexandro Machado, se apropria da arma dele e inicia a fuga.


2- Tem início a perseguição. Os bandidos invadem a residência do comerciante Kender Conceição Alves da Silva, 32, que é alvejado com seis tiros.


3- Enquanto o comparsa é preso, “Carioca” dá seqüência a fuga em um terreno baldio, invadindo a seguir a casa de Ana Eunice Fontoura.


4 – Eunice é feita refém por várias horas e acaba morta com 15 facadas. Em seguida, Carioca se
entrega à polícia.

Assaltante exige munições e um avião para fuga
A primeira condição imposta pelo assaltante foi de que negociaria possível liberação da refém somente com a presença do comandante geral da Polícia Militar do Acre, coronel Romário Célio, ou major PM Ricardo.

Os oficiais foram convocados às pressas e atenderam a primeira exigência do assaltante.

Por volta da meia-noite e 30 minutos, os dois oficiais compareceram ao local em que a mulher era feita refém e iniciaram longa negociação com o assaltante.

Após cerca de uma hora e meia negociando com a polícia, o assaltante faz duas exigências que surpreenderam as autoridades.

Carioca exigiu munições de pistola e revólver 38 e mais um avião pousado no Aeroporto de Rio Branco para que ele pudesse prosseguir fuga para a cidade de Cruzeiro do Sul.

Diante da impossibilidade de atender as duas exigências os militares permaneceram negociando com o assaltante através de conversas por celular.
O secretário-geral de Polícia do Estado do Acre, delegado Emylson Farias, foi reforçar a negociação com o assaltante na tentativa de fazê-lo desistir da intenção de matar a refém.

“O desfecho honroso para mim” diz assaltante aos negociadores
Por diversas vezes durante a negociação Carioca repetiu a seguinte frase: “o desfecho será honroso para mim”.

Em um determinado momento o assaltante avisou à polícia que estava somente com duas munições no revólver e que eram suficientes para o desfecho por ele desejado, ameaçando matar a refém e um policial.

Segundo informações dos negociadores, por diversas vezes o assaltante permitiu que a refém falasse com os mediadores, oportunidade em que a mulher teria implorado para não morrer.

Outro instante, Carioca afirmava via celular que estaria assistindo um programa evangélico na televisão e ainda contou que a refém toda vez que olhava para ele chorava com medo de morrer.

Sete horas de negociação e um desfecho trágico
Obedecendo todo o protocolo de gerenciamento de crise, os dois oficiais que estiveram à frente das negociações determinaram a presença de duas equipes do Samu no local das negociações.

Por volta das 5h da manhã de domingo, 11, Carioca apontou para a possibilidade de permitir que um paramédico tivesse acesso a casa para verificar o estado de saúde da refém.

Imediatamente, os gerenciadores da negociação montaram a estratégia de enviar um policial militar do Batalhão de Operações Especiais (Bope) vestido com a farda do Samu, a fim de surpreender o assaltante, dominá-lo e garantir a invasão dos policiais para a captura do assaltante.

Todo o esquema foi montado, o policial ficou de prontidão e quando por volta das 5h20 o assaltante ligou para o celular do comandante da PM e permitiu que a  refém falasse com o coronel Célio.

Na breve conversa, a mulher teria afirmado que o assaltante iria se entregar e que ele estaria mais calmo.

Neste momento da conversa Carioca tomou o celular da refém e reafirmou: “o desfecho disso tudo será honroso para mim” e desligou o celular.
Quando o policial disfarçado de socorrista do Samu estava pronto para entrar na casa, por volta das 7h10, Carioca gritou de dentro da casa para o paramédico recuar, pois ele teria desistido de deixá-lo entrar e iria se entregar à polícia naquele momento.

Mais de 20 minutos de espera e o assaltante apareceu na porta da casa com as mãos para cima.

Quando o coronel Romário Célio se aproximou de Carioca ele calmamente teria afirmado: “eu cumpri com o acordo, dei um desfecho honroso para o caso, agora mande entrar o Samu”

Quando os policiais entram no quarto se deparam com a vítima sobre uma poça de sangue.

Quando a equipe médica entrou na residência a vítima estava morta com várias perfurações e degolada.

Assessora parlamentar é enterrada sob forte comoção
Ana Eunice Fontoura completaria 52 anos ontem, 12. Era filha única (pais já falecidos), mãe de dois filhos (Stênio e Gabriel) e avó de uma menina de quatro anos. O segundo neto está a caminho. A nora, Fabiola Figueiredo Galo, que está grávida estava inconsolável durante o sepultamento ocorrido no Cemitério São João Batista.

Segundo Fabiola, as horas que antecederam a tragédia foram marcadas por muita alegria em família. No início da noite de sábado, Ana acompanhou o filho, a nora e a neta a uma festinha de aniversário, onde puderam dar boas gargalhadas.

Ao final da festa, o filho Stênio foi deixar a mãe em casa e horas depois era informado de que ela havia sido feito refém por um assaltante. “Tudo ainda é muito doloroso para a gente. Saber que ela estava ali com todo mundo e horas depois estaria morta. É triste demais”, disse.

“Ana era a pessoa mais feliz que eu já conheci”, diz jornalista Tião Maia
Ana tinha um relacionamento de 12 anos com o jornalista Tião Maia. “Ela era a pessoa mais feliz que eu já conheci”, disse Maia ainda abalado com o trágico fim da companheira. Ele estava em Cruzeiro do Sul no momento em que a mulher foi feita refém pelo bandido, mas fez contato telefônico com ela por algumas vezes.

Segundo ele, a primeira ligação ocorreu às 23h20. “Ela estava calma, mas me chamou de doutor, então notei que havia algo errado”, revela. Neste momento, Ana já estava em poder de Carioca, que como primeira exigência queria falar com o major Ricardo.

“Ele garantiu que não iria fazer nada com ela se as exigências dele fossem atendidas”, conta Tião. A última conversa entre os dois ocorreu às 3h30 da madrugada. Ana declarou seu amor e fez um último pedido ao companheiro. “Ela disse que me amava e pediu que eu olhasse por seus filhos caso ela não saísse viva. Naquele momento senti um aperto no meu coração”, relata em lágrimas.

A pedido da polícia, Tião deixou de manter contato com a mulher na expectativa de que as negociações iriam avançar e ela iria ser libertada com segurança. Em relação ao assassino da mulher ser um presidiário em liberdade, declarou: “a missão do judiciário é proteger a sociedade e não aqueles que abriram mão do direito a liberdade”.

Tião contou com a solidariedade do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre (Sinjac), que emitiu nota de pesar, e dos irmãos Jorge e Tião Viana. Estes suspenderam a agenda de campanha em Cruzeiro do Sul para prestar apoio e consolo ao jornalista que é um dos assessores de imprensa de Tião Viana.

Uma história de conquistas e amizades
Ana era assessora parlamentar e amiga pessoal do deputado federal Fernando Melo (PT), com quem estava trabalhando há oito anos. Ele a descreve como uma mulher atuante, atualizada e que se dedicava ao trabalho de corpo e alma. “É uma coisa lamentável”, declarou.

Apesar de concordar que a legislação penal brasileira precisa de ajustes, Fernando age com cautela ao falar sobre o assunto. “Não é bom fazer leis num momento desses, sob comoção”, disse lembrando que no Brasil, o caráter da pena não é apenas punitivo, mas também ressorcializador.

A procuradora-geral de Justiça Adjunta, Patrícia Rêgo, defende uma ampla reflexão da sociedade. “Ou a sociedade se mobiliza ou então vai continuar refém”, disse. Patrícia também era amiga pessoal de Ana e manteve contato com ela durante o cárcere.

“Ela me ligou pedindo socorro”, informou, acrescentando que em nenhum momento acredita que o caso fosse ter um desfecho tão trágico. A procuradora questiona o alto índice de reincidência no crime e os benefícios que a lei oferece às pessoas que cometem crimes hediondos como este.

Secretária Márcia Regina presta solidariedade a familiares das vítimas
A secretária de Estado de Segurança Pública, Márcia Regina, emitiu nota prestando solidariedade às famílias de Kender Conceição Alves da Silva e Eunice Moreira Lima. Ela lembra ainda que “o comandante da PM chegou ao local à 1h e 20min, e conduziu pessoalmente a negociação, atendendo todas as exigências do bandido como forma de proteger a vida que estava sob seu domínio”.

De acordo com a nota, durante a tentativa de negociação, o bandido desafiou os policiais a invadirem a residência, dizendo que tinha duas balas para detonar, uma contra sua refém e outra contra os policiais, mostrando disposição tanto para matar quanto para morrer.

“Estamos diante de um momento de profunda dor para familiares e de grande abalo para as autoridades da Segurança Pública e o Comando da Polícia Militar do Acre, espe-cialmente para o coronel Romário Célio e o major Ricardo, que acompanharam toda negociação e têm consciência de que os procedimentos adotados foram corretos”, diz a nota.

A secretária finaliza a nota, dizendo que “se a polícia tivesse invadido a residência, poderia ter sido a causa da morte da refém, mas, mesmo tendo agido com equilíbrio, não conseguiu impedir esta ação de extrema violência e crueldade praticada por gente que não dá o menor valor à vida”.

Estado de saúde de comerciante alvejado com seis tiros é grave
O estado de Saúde do comerciante Kender Conceição Alves da Silva, alvejado com seis tiros é crítico. Até o fechamento desta edição, ele continuava internado em estado gravíssimo na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Pronto-Socorro.

 

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