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Morte: um caminho novo!

O acidente  brutal que  ceifou inesperadamente a vida do vereador Jessé Santiago nos faz quedar diante da tese de Martin Heidegger (1889-1976). Dizia o existencialista que a raça humana vive  uma existência inautêntica, estamos todos sem exceção, preocupados e ocupados em fazer coisas, realizar projetos que um dia terá fim. A “segurança” da instituição família é comprada por um alto preço: o homem, para quem tudo foi inventado como meio, tornou-se um meio ele próprio a serviço dos meios.

Homem que caiu sob a escravidão de instituições e objetos que ele mesmo criou. Em contrapartida deveríamos viver a vida simples e perceber que a possibilidade última e certa do ser humano, enquanto ente é a morte. Dona Morte, diante da qual se percebe a insignificância dos projetos humanos. Seguir diretrizes antigas, por exemplo, de Platão que dizia que a vida verdadeira era o retirar-se do constrangimento das circunstâncias puramente naturais, e o viver em prol da virtude, e não para os prazeres.

Para o homem que vive assim, a própria morte perde seus terrores. Portanto, por que eu deveria temer  a morte, cuja natureza não posso compreender, ao invés de fugir dos males desta vida que conheço bem demais? A calma com a qual uma pessoa que tem esta introspecção filosófica pode enfrentar a morte  transforma esta rea-lidade inevitável (a morte) numa realização humana (Phaedo), mormente porque a morte muitas vezes oferece uma oportunidade para uma demonstração direta da virtude, especialmente onde ela poderia ser evitada, em geral, na batalha, ao preço da conduta indigna (Apologia).

Uma das páginas mais lindas da literatura filosófica sobre os últimos momentos de um homem diante da inadiável pena de morte é encontrada no diálogo Fédom, quando  Platão descreve as conversações que, durante os dias de espera na prisão, Sócrates mantivera com seus discípulos e amigos. Um problema se propunha a todos como urgente e atormentador: a morte, a morte que para Sócrates se tornava cada dia mais próxima. 

Na manhã véspera de sua morte, um dos amigos avisa a Sócrates: “Amanhã terás de morrer”. O mestre não se perturba: “Em boa hora, se assim o desejarem os deuses, assim seja”. Suplicam-lhe que aceite a fuga que os amigos haviam preparado. Sócrates recusa. E explica: a única coisa que importa é viver honestamente, sem cometer injustiça, nem mesmo em retribuição a uma injustiça recebida. Ninguém, nem amigos, conseguem convencê-lo a abdicar de sua consciência.

Entra a mulher de Sócrates, Xantipa, trazendo os filhos para a despedida. Sócrates permanece tranqüilo. Finalmente chega o carcereiro com a cicuta (veneno). Imperturbável Sócrates toma o vaso que lhe é oferecido, de um só gole bebendo todo o veneno. Sócrates, ainda nos deixa um exemplo de grandeza, pois ao invés de assacar “maldições” contra os seus inimigos, prefere  e profere palavras de ânimo aos amigos que, soluçando, lhe assistem: “Não, amigos, tudo deve terminar com palavras de bom augúrio: permanecei, pois, serenos e fortes”.

Além disso, urge que nos desliguemos do materialismo exagerado produto de sistemas empíricos que consideram real só aquilo que é mensurá-vel; que só acreditam no que tocam com os sentidos e com “os instrumentos científicos”. Carecemos vislumbrar, a partir de uma perspectiva espiritual, um novo começo depois da morte terrena. “Buscar a existência de esferas onde não prevalece o tempo, conforme conhecemos” (Agostinho).

Aos que não acreditam nessa outra aura de vida, faço minha as palavras de Cícero:  “E se erro ao pensar que as almas dos homens são imortais, erro voluntariamente, e não quero que me tirem desse erro enquanto vivo, porque nele está meu prazer; e se depois de morto (como crêem certos filósofos de pouco renome) não existir nada, não temo que os filósofos mortos ponham-se a rir de meu erro”.

A despeito da fé, de alguns, a morte abre diante de nós um caminho novo ainda não experimentado, e os novos começos sempre envolvem algum desconforto. Temos medo do que é desconhecido. Na verdade o homem teme, independente das circunstâncias, instintivamente a morte e por natureza humana a rejeita, quando o ideal seria a aceitação da sua própria finitude.  O próprio Jesus Cristo, que é o caminho para uma nova vida, sentiu uma amargura imensurável, no jardim do Getsêmani, antes de iniciar a sua via crucis na direção do Calvário. A morte, no entanto, não é ela mesma um objeto de temor. Tomando como exemplo os gregos antigos, deveríamos fazer da morte uma parte da vida, considerando-a, não um resultado da sina, mas um ato da realização humana.

Estou entre aqueles que pensam e desejam que os homens devam morrer no zênite, na culminância da vida. Contudo como não é assim, pois que moços e velhos e a morte pas-seiam juntas nas ruas dos quadrantes da terra, parafraseando o poeta digo: Que me importa a Morte? A vida vence!

* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador  bibliográfico em Filosofia e Ciências da Religião.E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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