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Afasia, apatia e a imperturbabilidade

A forte impressão e os fatos brutais causados pelos últimos acontecimentos, inicialmente de caos total e depois de guerra literal entre policiais e bandidos no complexo do Alemão, com dezenas de mortos e feridos, no Rio de Janeiro, trazendo à tona  uma realidade humilhante  imposta, por décadas, ao cidadão comum morador de bairros tradicionais, como Olaria, Bonsucesso, Penha, etc., nos leva a refletir sobre o valor da vida humana à luz dessa tal de pós-modernidade. Mundo pós-moderno que exalta os bens de consumo, quinquilharias eletrônicas em geral, e nega, de forma implacável, os mínimos e necessários direitos para a sobrevivência da gente simples.  

A reflexão passa inicialmente pela revolta, principalmente porque, de Norte a Sul, segmentos da sociedade brasileira, em sua totalidade, estão cansados  em debater, exaustivamente, determinados assuntos que afetam diretamente o povo, sem encontrar eco, nos fazendo sentir como travestidos de palhaços ou como camelôs oferecendo produto pirateado, sem que ninguém leve a sério. A imprensa que faz jornalismo sério, em muitas ocasiões, anos mesmos, é a única voz deste povo; voz do que clama no deserto, a voz da fraqueza diante da força, a voz dos deslocados num mundo de portas que não se abrem ao sésamo. Deste modo a nossa voz, assemelhava-se, pois no caso do Rio de Janeiro só vencemos uma batalha, a voz do profeta Amós às portas da cidade, a abjurar os que amealham riquezas ilícitas em detrimento da miséria do povo. É a voz de Diógenes em seu barril, ou de Antístenes em seus andrajos (trapos).

Por outro lado sou tentado, dada a inércia das autoridades constituídas, a colocar em prática a insensibilidade do ceticismo de Pirro de Élida  (365-275 a.C), doutrina da descrença na capacidade humana de conhecimento da verdade, e praticar a indiferença, abster-me de julgar, pois quando opino estou julgando, privar-me de fazer juízo e, sobretudo colocar em prática  a Afasia que no grego significa literalmente falta de palavra. Do ponto de vista filosófico Afasia, nos céticos da Antiguidade indica a atitude do não-dizer-nada de definitivo e com valor de verdade, com o fim de não ter perturbações de qualquer grau. Por tudo que presenciamos no campo da violência urbana, assumir voluntariamente, uma postura de suspensão de toda asserção dogmática, se constitui numa  atitude sábia, uma vez que  assumir e viver plenamente essa Afasia, ou seja, calar e jamais expressar qualquer julgamento definitivo, traz momentaneamente a alma, uma condição de imperturbabilidade, que não se abate ou se incomoda por nada. Pondo-me à parte de tudo aquilo que pode perturbar ou afetar a minha “serenidade”.

Ocorre  que o próprio Pirro teve seus dias de perturbação, chegando à conclusão de que é muito complexo mostrar e manter a imperturbabilidade.  Conta-se que por duas vezes mostrou pouca imperturbabilidade. Numa delas, agitou-se pelo ataque de um cão enraivecido. A quem o reprovou por não ter sabido mostrar a impertur-babilidade, respondeu que “era difícil despojar completamente o homem”.

Como ninguém é de ferro, este articulista também tem seus momentos de angústia e perturbação, acarretados pelo descaso  de instituições que espoliam os minguados R$ do povo, prestando um total desserviço a coletividade, como é o caso da Eletroacre. No dia 29/11 do ano que finda tivemos aqui no residencial Sto. Afonso e bairros adjacentes um verdadeiro dia de caos total. Foram oito (8) horas sem energia elétrica, ocasionando prejuízos a pequenos comerciantes e, no que me toca, a IES que dirijo. A “manobra” da Eletroacre foi incapaz de solucionar o problema que começou às 14h15 e se estendeu até às 22h10. O pior é que até a presente data, nós os consumidores, pois é assim que somos tratados pela fornecedora de energia, não se dignou a enviar uma carta, sequer, se justificando. E a vida continua. Reclamar para quem?

*  Francisco Assis dos Santos é professor e Pesquisador  bibliográfico em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: assisprof@yahoo.com.br

 

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