Estamos fechando o ano com uma notícia nada alvissareira; trata-se do consumo de crack, que segundo aponta a pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM), se alastrou pelo país alcançando 98% dos municípios brasileiros. Nem o mais histórico dos pessimistas, do passado, poderia satanizar ou prognosticar que um dia grande parte, quiçá a maioria, da população brasileira seria escrava das drogas. Mesmo que eu evocasse pessimistas do naipe de um Schope-nhauer, para quem a vida não valia o investimento que se faz nela ou ressuscitasse as teses macabras de Thomas Malthus, o mais violento dos pessimistas quanto ao futuro da humanidade, conseguiria alcançar o tamanho do prejuízo que essa cultura da droga crack, com seus efeitos danosos, trará aos que dela se servem. Aliás, se Schopenhauer respirasse o mesmo ar poluído que respiramos hoje, diria que a vida não vale um picolé de k-suco de morango ou de xarope de groselha. Eu mesmo perdi o gosto pela vida; estou enjoado das ações brutais da raça humana, tanto esforço de séculos de aprendizado para nada, perdemos a civilidade nesta mistura de crueldade e cinismo. A impiedade e os vícios das antigas cidades Sodoma e Gomorra são fichinhas diante da estupidez em que vivemos. Estou sem palavras e, a exemplo do Estado e da família, impotente diante desse avanço implacável das drogas pesadas. Entretanto a pergunta que não quer calar são os porquês de tamanha aberração comportamental: Por quê?
Como não há Behaviorismo que explique, ataco de Eclesiastes.
No Eclesiastes o problema da existência do homem é vista pelo prisma pessimista: “Vi as opressões que se fazem debaixo do sol: vi lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém confortasse os oprimidos. Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, muito mais do que os que ainda vivem”.
Lí alhures que quando o pregador diz “quando crescem os bens, cresce o número de bocas” ele expõe e antecipa a teoria de Malthus sobre a explosão demográfica e o conseqüente consumismo sem limites o isto é: nada satisfaz ou satisfará o homem, já que o homem não se agrada com nada, muito menos com as Utopias do futuro. O homem é o único animal que nunca está plenamente satisfeito.
Em geral o Eclesiastes sente que a vida é coisa triste, e não vale a pena ser vivida; não passa de uma agitação em círculo e sem mira, e sem resultado, pois termina onde começa; uma luta estéril, em que nada é certo, salvo a derrota.
Outro campo dessa agonia e labuta humana, vista pela ótica do Eclesiastes, é o da vaidade do homem: “Empreendi grandes obras, edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores.
Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa, também possui bois e ovelhas, além do que possuíram todos os que antes de mim viveram. Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol”. Matias Aires (o primeiro filósofo nascido em terras do Brasil) no livro Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens diz que “o homem é um ser radicalmente corrompido, governado pela concupiscência (desejos, apetites) da carne”. Em outras palavras: vaidade que tudo corrompe, em tudo penetra e a tudo reduz a um irremediável domínio das paixões viciosas.
Essas paixões viciosas transformam o mundo em caos total, em desordem e insegurança completa. Desordens públicas acontecem em vá-rios pontos do planeta, quase todos os dias. A liberdade tornou-se licen-ciosidade. A lei moral está em perigo de ser abandonada até pelos tribunais. As ruas de nossas cidades se transformaram em selvas de terrorismo, assaltos, estupros e morte.
Contudo, quando tudo parece sem solução, nesse cenário internacional moderno de pessimismo total, com seus problemas de super população, crimes, racismo, drogas, crises econômicas, guerra, pobreza e fome, eis que surge o mês de dezembro com seu otimismo natalino e perspectiva de um ano novo melhor, e nos alcança com uma mensagem de paz, de solidariedade, de esperança; dando-nos uma chance de recomeçar a partir da escuridão em que estamos metidos.
Então, que venha o espírito natalino, e nos livre do sentimento de só avistar males no presente século; a alegrar a todos nós com estímulo de felicidade, bonança, prosperidade e poder de solução; arrefecendo os ânimos irritados dos homens e mulheres violentos; alcançando com a paz todas as cidades deste mundo caótico.
* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador bibliográfico em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: [email protected]