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“Bons e maus livros”

Em dias idos, enquanto fazia o trajeto aéreo Brasília/Rio Branco com escala em Porto Velho, por uma dessas coincidências da vida, tive a agradável surpresa de assentar ao lado da então “estrela” do Tchan,  Sheila Melo que se fazia acompanhar de sua assistente  Núbia. Dispensa dizer que, feita as apresentações devidas, próprias de pessoas civilizadas que permanecem juntas num mesmo recinto por determinado tempo, trocamos algumas “idéias”.

Não pude deixar de notar que a Sheila, ao longo de quase toda a “viagem”, cerca de 2h40; lia, quase que ininterruptamente, um livro de autoria de Paulo Coelho. Núbia mais próxima de mim perguntou: professor, o senhor tem lido ou gosta de ler Paulo Coelho (sic)? Não! Foi a minha resposta. Para usar de sinceridade, eu ainda não li uma só página de qualquer livro do “guru” Paulo Coelho. Talvez, até, pela presunção de ter lido bastante, nos anos 80, os escritos de Og Mandino,  outro “mestre da vida interior” e suas  sugestões otimistas, enfatizei. Contudo, o importante é que a Sheila Melo estava lendo, dirimindo assim uma impressão enganosa e preconceituosa que este escrevinhador fazia, naquela época, de algumas estrelas do mundo do saracoteio.

Em outra ocasião, quando de minha estada em Brasília, ouvindo um programa matinal duma rádio local, que entrevistava o jornalista Carlos Heitor Cony, sobre o fenômeno de venda dos livros de Paulo Coelho, suponho ter ouvido o Cony dizer que ainda não tinha lido nada de Paulo Coelho. É possível, por lapso de memória, que eu esteja confundindo o Paulo Coelho com o Augusto Cury, que também, andou vendendo milhares de exemplares, especialmente entre os “evangélicos.” Abro parêntese para dizer que este escritor (Cury) é outro que eu não consigo ler um só parágrafo de qualquer livro de sua autoria.

Nesta semana noticiou-se além-mundo, que a publicação dos livros de Paulo Coelho foi proibida no Irã. Interrompendo pelo menos no país muçulmano o fantástico sucesso que o  escritor e seus livros faz no exterior. O motivo talvez passe pela intolerância religiosa Islâmica, atitude antipática e reprovável sob todos os  aspectos. A propósito desse sucesso do mencionado autor, José Mindlin, bibliófilo brasileiro, falecido em fevereiro do ano passado, antes de morrer disse, numa de suas últimas entrevistas, que Paulo Coelho está para os livros ou venda de livros o que Edir Macedo está para a religião. 

Citei essas arengas, propositalmente, para nos interrogar sobre o que é um bom livro? A resposta é relativa, pois cada leitor tem sua preferência que vai da comédia aos grandes tratados científicos. Os escritos de Voltaire e Rousseau, por exemplo, apesar da contribuição significativa para o pensamento da época em que viveram, com reflexos expressivos até os dias de hoje, principalmente este último que defendia um “retorno à natureza” para combater a desigualdade causada pela sociedade civilizada; contudo, na ótica dos cristãos, tais autores com seus livros fizeram um grande mal à França.

Assim, o tema que se nos impõe não é o que estamos lendo no nosso dia-a-dia, mas se estamos lendo seja lá o que for, dizem os entendidos. Não compactuo dessa opinião, pois, entre miríades de livros disponíveis no mercado, há muitos que em sua maioria prestam um total desserviço (mau serviço; prejuízo) às questões éticas relevantes e, dentre estes  livros bem poucos  merecem ser lido mais de uma vez; ainda assim devemos muito do que somos aos livros. Afinal: Um país se faz com homens e livros, diria Monteiro Lobato.

Todavia, muitos são os bons motivos, porque devemos ler exaustivamente: Quem lê, alguém já disse, sabe mais; pensa melhor, compara idéias; tem o que falar; tem o que responder; fundamenta suas opiniões; aumenta sua compreensão; melhora seu vocabulário; tem mais chances no mercado competitivo e exigente do mundo moderno; absorve experiência e sabe o que está acontecendo pelo mundo afora.

Li numa reportagem, com alegria contagiante, que no Brasil muitas pessoas estão assistindo menos a TV paga, deixando de curtir hábitos de consumo em restaurantes sofisticados e outros ambientes badalados, mas em compensação estão lendo mais. Essa é uma boa notícia, pois, trocar as badalações de fim semana pela leitura de um bom livro, é sem dúvida alvissareira. “Nos últimos seis anos diminuiu o percentual de pessoas que freqüentam shows de entretenimentos,  mas, em compensação, aumentou o número daquelas que curtem um bom livro como forma de recreação.”, diz a reportagem.

O aumento, entretanto, não significa que os brasileiros passaram a comprar mais livros, mesmo porque os preços de  livros no Brasil estão “pelo olho da cara.” Quem colocou a mão no bolso foi o governo, cujas aquisições quase triplicaram na última década. O MEC, de FHC à Lula, com acertos e erros, conseguiu levar o livro ao estudante. 

Se por um lado reconhecemos como salutar a oferta abundante do mercado literário, principalmente, porque os livros possuem a propriedade de nos fazer rir, chorar e, às vezes, causar mudanças dramáticas e radicais em nossas vidas.  Por outro lado, é histórico, que maus livros têm arruinado, não somente indivíduos, mas nações inteiras. Logo, tomemos cuidado, você (leitor) e eu, para que nunca sejamos achados do lado de um mau livro, nem do lado oposto de um bom livro. 

* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador  bibliográfico em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: assisprof@yahoo.com.br

 

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