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Inglória

Os competentes de antanho vieram dos quatro cantos do mundo e por aqui se estabeleceram porque eram competentes, audazes, arrojados, corajosos. Esqueceram eles, entretanto, de cobrar dos filhos o dever de casa bem feito. No Acre, a partir da década de sessenta, então, centenas – senão milhares – de famílias cujos líderes desapareceram caíram em desgraça e em descrédito. A ruína lhes bateu à porta. Perderam o trem da história e passaram a desconsiderar a lógica segundo a qual deixar de olhar para frente, mesmo que por um instante, é o mesmo que ficar para trás sem conseguir ir adiante.
Então, é oportuno observar um fator que hoje, de alguma forma, tem ligação forte com os seringalistas do passado e as suas fortunas que desceram o belo rio em busca de gente mais promissora.
E os fatos? Ah, as tripas!

Essas tais Faculdades Etecetera vieram, realmente, com o intuito de preencher uma lacuna. O empreendimento é sério e a proposta, coerente e exeqüível. Há um quadro de professores respeitáveis pelos esforços empreendidos e um currículo bem delineado, apesar de algumas distorções  –  humanas  –  perfeitamente contornáveis a curto prazo. Faço-vos todos estes comentários, de cátedra, uma vez que estou perfeitamente habilitado a tal.

Todavia, agora não mais enquanto expert em ensino superior, mas enquanto cronista e articulista jornalístico, afianço-vos: há uma parte pequena do corpo discente que, apesar da idade em alta, ainda não sentiu as responsabilidades que o aluno consciente deve ter para com o bom desempenho do professor em sala de aula.
Sinto no ar o cheiro da decadência das nossas elites lerdas que cochilam em berço nada esplêndido  –  tosco e de madeira podre  –  e ainda não viram que, nos dias que correm, cada um fará por si, mesmo desejando pouco ou nenhum sucesso aos demais.

Mas alguém diria que as Faculdades Etecetera não comportam em seus quadros tantos membros desta elite de quem hoje trato… Afirmo eu que sim. Trata-se – agora já mergulhando ao nível da psiquê – de alguns resquícios quase adormecidos das almas penadas de antepassados que viveram época áurea. Tempo em que a borracha era o ouro negro, índios eram mortos impunemente, quase como hoje; seringueiros eram escravos debaixo do açoite, e a fartura e o dinheiro regurgitavam em polpudas contas bancárias. Todavia, em casa, a incompetência e a falta de tino gerencial foi-lhes diminuindo o poder da grana, paulatinamente. Eis, então, que, por fim, a falência os fez despencar, de barranco abaixo… E, atônitos, homens e mulheres perguntavam a si próprios porque, não mais que de repente, tinham ficado mais pobres que o pobre Jó, o da Bíblia.

E esse espírito de rico, empedernido, foi ficando, por anos a fio, gravado nos recônditos mais íntimos da alma desta elite despencante, brochante.
E não ocorre só nas Faculdades Etcetera. Em todo o Estado há uma parcela desse muro derrubado que se faz arrogante, não tolera o sucesso de quem o faz por si, e vê com grande antipatia plebeus da minha laia que podem escrever porque dominam o ofício.
E lá está o coitado do meu amigo professor, do alto do seu senso de responsabilidade, a querer transmitir algo que as elites jamais entenderão, posto que uma simples leitura do Gato de botas, para elas, já representa esforço sobrenatural.
São esses fantasmas apocalípticos membros de uma casta de intocáveis. (Fantasmas não existem, a não ser nos rios e barrancos do Acre.) Pensam e dizem eles que sabem tudo. São feras nas artes da Matemática, da Física e da Química, uma vez que até já aprenderam a contar. Conhecem bem os meandros do idioma de Camões  –  embora não saibam quem é ou quem teria sido esse gajo  –   posto que até já aprenderam a ler bem compassado. É claro que por aí dizem conhecer uma língua estrangeira, de preferência a de boi ou de vaca, em tempero chegado na pimenta e regado a boa cerveja, de graça, desde que não seja no aconchego do seu cambaleante lar. Em casa, se intitulam campeões em qualquer modalidade da vital competição  –  do arremesso de bagana ao lançamento de cuspe…
É, meus irmãos! Tudo isto eles apenas propagandeiam… Na hora da prova dos noves, entretanto, a minha elite doentia debilmente morde a corda.
E ficam envergonhados de si próprios quando são testados. Do fundo da alma medíocre, pensam eles que bem melhor teria sido tomar algumas lições de humildade e companheirismo, mesmo que os companheiros fizessem parte dessa horda de pobres que vai à faculdade e honra, com bastante esforço, o rico dinheirinho gasto com tanto suor no rosto e amor à camisa de acreanos que, de tão reais, jamais conseguirão voar.

Decepcionados consigo mesmo, então, esses vendilhões do templo, por trás da alma enferrujada, passam a jogar a culpa do pecado de Adão nas costas do meu amigo professor que, de cima da glória do seu desideratum, busca falar a língua da sabedoria para alguns que muito pouco entendem e para outros que nada assimilam, porque não nasceram providos da capacidade de compreender coisa alguma.
Aí, eles fazem uso de métodos pue-ris, ardis rocambolescos. Conversam bastante com o perceptível intuito de atrapalhar a boa aula, ou soltam risadinhas chulas quando são indagados sobre qualquer tema, ou dizem piadas em referência ao papel daquele que por eles é pago para lhes agüentar os abusos de ex-riquinhos, mimados, que não apenas vêem a banda passar, mas perambulam em meio aos músicos a insultar-lhes a competência, inclusive, até de uma boa parte da platéia que, oriunda das classes menores, está ali para aprender realmente.

Acordai, tupiniquins! Isto cá embaixo é chão duro e batido pela fímbria dos que buscam a prosperidade pela via do esforço árduo.
É oportuno certamente considerar uma das tiradas mais jocosas e encardidas da minha lavra segundo a qual um pedante será sempre um homem que tem a digestão intelectual difícil. E não é?

Os anjos não eram astronautas, minha senhora. E em verdade vos digo: aqueles que vão às aulas com o objetivo de aprender uma boa profissão sofrem as interferências da irresponsabilidade dos filhos da velha elite… Não! Os riquinhos ainda não sabem onde colocar os pés. Eles apenas aprenderam a arte de voar acima do chão da história vivida pelos pássaros pobres, feito eu, que jamais alçará vôo porque é sagaz o suficiente para ter certeza de que o chão duro se faz limite para a arrogância humana que sempre cai de ponta-cabeça e quebra o pescoço.Ó Deus!


*www.claudioxapuri.blog.uol.com.br

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