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*O despertar das letras

PARA DANIEL SANT’ANA E MÁRCIO BATISTA
Vivi um tempo de boas leituras, desde os livros de bolso que jorravam sangue, a Machado de Assis e Lima Barreto, ontem, a Gore Vidal ou Geoffrey Blainey, hoje. Os bons professores do velho Colégio, ainda lá na cidade Princesa, obrigaram-me a ler alguns textos não tão apropriados para um adolescente que jogava pelada e tomava banho no rio. Todavia, hoje, inadvertidamente, são outras as circunstâncias que me fazem voltar, por exemplo, às Memórias Póstumas de Brás Cubas, bem mais adequado aos que chegam à quinta década.

Não. Não se fazem mais escritores como antigamente, porque não mais se forjam leitores, em casa ou nas escolas, sob a batuta de mestres e pais ranzinzas, como em outras épocas… E este crítico contumaz, por ser avesso aos comentários de corredor, deixa bem escrito e em bom papel que, apesar dos dinâmicos e esforçados, há aqueles muitos professores que detestam as leituras mais densas e cujo talento mais especial é explicar apenas coisas que todo mundo já sabe, deixando de lado boa parte do que realmente interessa.

Há, inclusive, aqueles de quem me afasto nos ambientes de intervalo, nos colégios, justamente porque absorvo bastante ouvindo alguns alunos até mais consistentes.

Mas há salvação!

Então, caríssimos! Como já fiz um dia com a autoridade anterior, rogo agora que a minha voz ecoe no deserto e logo chegue aos seus ouvidos amazônicos. Há algum tempo, tento colocar em prática um projeto apresentado à direção do nosso Colégio Estadual Barão do Rio Branco. Há carências de recursos e percalços de agenda. Agora, vejo que uma revista de circulação nacional lança uma série de idéias sobre como melhorar o processo de ensino-aprendizagem no Brasil. Segundo eles, nós, hoje, mais do que nunca, precisamos tão somente de talentos para elevar esta Nação a patamares mais dignificantes. Não basta, nas universidades, os professores discutirem teorias e ideologias. É preciso, já, partir para uma prática que dê resultados reais e em pouco tempo.

(É como na Universidade Federal do Acre, onde muitos produzem soluções miraculosas, em conversas de corredores, divulgando as saídas mais fantasiosas para os problemas do Brasil, enquanto apenas uma meia dúzia de diletantes realmente produz algo mais consistente de olhos e ouvidos já plantados numa realidade futura que está logo ali. Não basta uma boa retórica. Os problemas exigem soluções reais, como aquelas que buscam as melhorias da qualidade de vida de tantos que delas necessitam).

Resumidamente e em termos bem práticos, seriam adquiridos quarenta exemplares do livro O espelho dos nomes, de Marcos Bagno, por exemplo. Adquirir-se-iam mais quarenta exemplares da obra Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, e mais quarenta exemplares de cada uma das outras seis ou oito obras, preferencialmente, as que fazem parte da relação de leituras obrigatórias do vestibular da Ufac. Quarenta, sim, uma vez que este é o número básico de matriculados em cada série do Colégio. De posse destes livros, comprados dois títulos a cada mês, levaríamos a efeito o meu projeto, denominado Salas de Leitura. O professor de Língua Portuguesa, cuja disciplina conta com 160 horas-aula, uma vez por semana, (em um carrinho já adquirido por mim junto ao Supermercado Araújo) levaria os exemplares para as salas de aula e, com a turma disposta em círculo, para não haver conversa, passaria à seção de leitura que duraria uma hora e meia. Cada aluno leria quatro ou cinco parágrafos e, em cinco encontros, poder-se-ia devorar, tranqüilamente, um calhamaço estilo Menino de Engenho, de José Lins do Rego, sempre, é claro, na companhia de um bom dicionário. No final do ano, te-ríamos lido oito ou dez obras de peso da literatura nacional. Ao cabo de três anos  –  do ensino médio  –  teremos viajado através de mais de trinta títulos. Leve-se em consideração que os livros seriam guardados, na escola, e bem utilizados, todos ao anos, em cada sala de cada turno.

Ademais, se pensarmos nos irmãos Grimm, em Exupéry, em Dumas, em Raul Bopp, Monteiro Lobato, nas Viagens de Guliver, dentre outras obras, já estaríamos envolvendo os alunos do primário; este, sim, o público que, em futuro próximo, será transformado nos grandes leitores e nos escritores maravilhosos de que necessitamos. 

E tudo isto será espetacular, posto que uma grande nação é feita a partir dos homens e dos seus livros fantásticos. (Quem disse isto foi o Lobato! Respeitemo-lo!)

Formaremos, hoje, bons leitores e, amanhã, grandes escritores. Elevaremos o nível de produção e interpretação de textos, real e concretamente, e, acima de tudo, faremos com que problemas de Matemática ou Física, por exemplo, sejam plenamente interpretados porque o melhor dos exercícios terá sido feito nas nossas salas de leitura. Enfim, em pouco tempo, entraremos para a história por ascendermos aos lugares tão merecidos por estas gerações de acreanos que ainda farão destes recantos pátrios lugares de gente cada vez mais promissora.

E uma outra idéia  –  também com os direitos autorais a mim reservados  –  me vem à mente; esta, hoje, já sendo colocada em prática, de forma um tanto sutil, diria. O grupo de professores que ministrou aulas para o primeiro ano, em 2011, será o mesmo que estará com os alunos, já no segundo ano e, em 2012, no terceiro ano. Enfim, tendo estes alunos concluído o ensino médio, os professores, é claro, voltarão, todos, novamente, para o primeiro ano, em 2011, onde reiniciarão os procedimentos levados a efeito nos três anos anteriores… Haverá empenho e ninguém culpará o professor da série anterior pelo fato de o aluno não conhecer uma parte ou outra do conteúdo passado.

Fiquei ávido por publicar estas idéias, ainda que já escritas em projeto, porque a revista de circulação nacional a que me referi, apesar da matéria de treze páginas, não as mencionou. Talvez sejam estas algumas teses inéditas que poderiam levar-me, inclusive, à execução de um curso de pós-doutorado, uma vez que o engenho e a arte ainda o permitem.

É verdade. Há sempre aqueles homens que não pensam no futuro e, por isto, geralmente aceitam a situação presente e jamais conspiram, ou aspiram… É preciso, com certeza, nunca abandonar a capacidade de indignar-se com os fantoches e fetichistas que estão sempre querendo dar a entender que as maravilhas do mundo estão presentes na nossa convivência de subdesenvolvidos.

Pior é que já não consigo sequer esperar que os meus comentários ocasionais se façam ou não aborrecidos a ninguém, muito menos aos que ditam as regras na Academia. Opinem. Debatam, aqui, neste espaço… Acho que é sempre bom ter o maior número possível de pontos de vista sobre um mesmo fato, uma vez que não existe a verdade humana absoluta.

Mas quem é que interpretaria sonhos tão toscos de um sonhador já decadente?

Eu, talvez…

*José Cláudio Mota Porfiro é escritor não vinculado à ABL.

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