O pouco que resta, atualmente, de integridade moral, notadamente no campo dos “bons costumes” entre os homens, é remanescente da moral advinda da igreja, da família e da escola, que tinham um código moral unificador e que davam à conduta humana a maioria das regras do jogo da vida. Graças à iniciação, imitação ou instrução, transmitida pela igreja, pelos pais e pelos professores, a herança mental de grupo ou comunidades passou de geração a geração e chegou até nós, como instrumento que elevou o homem acima da pura animalidade.
Acontece que com o desaparecimento destes valores, alguns até questionados à luz de teorias sem qualquer senso ético, passamos a viver um cataclismo moral. Como se não bastassem o cataclismo geológico e as profundas mudanças climáticas, bem como as epidemias quase incontroláveis, que assolam o mundo aqui e ali; Como se não bastassem à exaustão da terra madre que somados a escassez de recursos naturais, derivados do petróleo, da cana e matérias-primas tornam a vida nossa de cada dia mais difícil. Alem de todos esses tsunamis temos que viver com a decadência mental e moral causada, especialmente, pelo mundo urbano cujo carro-chefe é: a desordenada vida sexual; o consumismo exagerado e; a entrega globalizada da juventude as drogas alucinógenas.
Esse cataclismo moral pode ser percebido, por exemplo, entre os jovens dos tempos pós-modernos. O jovem atualmente é portal do crime. Todos os dias surgem dos quatro cantos do mundo, relatos lamentáveis sobre: homicídios, assaltos à mão armada, lesões corporais e tráfico de drogas envolvendo diretamente crianças e adolescentes. Na realidade só estou reverberando um clamor geral no que toca o assunto da delinqüência juvenil, da prostituição e exploração de crianças e adolescentes. O que se configura, se providências não forem tomadas, num cataclismo moral, pois se constata por pesquisa de toda ordem que hoje no Brasil, 99% dos crimes são praticados ou tem os adolescentes e jovens como protagonistas.
Alguém pode contra-argumentar que, além de eu ser repetitivo, sou também pessimista, atrasado ou anacrônico. Que a minha visão é no mínimo esclerosada ou obsessiva. Reconheço que não tenho o otimismo dos políticos e muito menos dos apóstolos religiosos do presente século, pródigos em fazer uso da pedagogia da promessa. Não tenho capacidade ilusionista de transformar aquilo que é voraz, que subverte ou consome que corrói e destrói em poupança, violência e destruição em argumento, matança em litígio e cataclismo moral em filosofia. Mesmo porque, já dizia, há 1.900 anos, o geógrafo Estrabão: “Lidando com uma multidão de mulheres e homens, massa promíscua, o filósofo não consegue influenciá-los pela razão.”
Também, não se trata de uma obsessão ou compulsão de minha parte. O ex-presidente Lula, no começo de seu governo, em sua primeira reunião ministerial, determinou ao ministro da Justiça, na época Márcio Thomaz Bastos, que priorizasse em sua gestão uma questão: A luta contra a prostituição infantil. “Isso deve ser questão de honra” disse Lula, à época. Mesmo com o esmero das autoridades e da sociedade, de lá para cá, o problema recrudesceu de modo atroz.
Num passado bem recente, cerca de duas décadas, isto é, praticamente ontem, este escrevinhador proclamava com toda convicção que o brasileiro era a pessoa mais honesta do mundo. O argumento se emba-sava ou embasava-se no simples fato de grande parte do povo, neste país, trabalhar trinta dias para receber um salário mínimo. O tempo passou velozmente e, presentemente, difícil é encontrar algum indivíduo, especialmente jovem que queira trabalha por um salário mínimo mensal. O que aconteceu? A resposta é simples: É fácil, atualmente, ganhar de dinheiro com negócios ilícitos; negócios sujos. Uma “parada” aqui outra acolá!
Essa atitude ilícita, em relação ao nosso próximo é mesmo um mistério, um enigma para o pensamento. No Iluminismo, acreditava-se que a idade da superstição e da barbárie estava a ser progressivamente substituída pela ciência e pela razão, atribuindo-se à história uma linha evolutiva de caráter moral. Triste engano, pois nem mesmo aquela “educação” moral de inculcar nas pessoas o medo às conseqüências da não observância da lei, não surte mais efeito. Corremos o risco de destruir a moral.
* Francisco Assis dos Santos é professora e pesquisador bibliográfico em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: [email protected]