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A difícil arte de escrever

Fala-se, hoje, sobre temática complicada, uma questão que envolve todas as pessoas que se arriscam nos caminhos do texto escrito. Escrevo há mais de 12 anos no jornal “A Gazeta”. Confesso que gostaria de ter muitos interlocutores, pessoas críticas, no bom sentido, no desejo de construir, sempre, um melhor texto. Mas os leitores, modo geral, são silenciosos, apáticos, talvez porque o jornal não abra espaço para o leitor interagir com o escritor. Por isso, somente quando me encontram falam: leio seus textos, adoro-os, aprendo muito com eles. Mas a verdade é que eu gostaria muito de uma interação estreita com os leitores, que eles escrevessem e manifestassem opinião sobre o tema tratado. Assim, essas opiniões se somariam a minha e estaríamos numa construção ampla de um mundo melhor, mais justo e humano.

Escrevo, ainda, desde abril do ano passado, no jornal online “Gosto de ler”. Ali tenho 50 artigos publicados e 25.000 leitores. Muitos dialogam comigo. É algo fantástico! É uma tarefa gratificante porque à medida que um texto é lido o escritor sobe na escala dos textos mais lidos. Isso é muito estimulante. É bom escrever assim.

Mas tudo isso que escrevi serve, apenas, para indagar: como escrever bem? Ou melhor, o que é escrever bem? É uma questão complexa, pois envolve diferentes gostos e diferentes linhas de pensamento. Destacam-se, aqui, as principais: a de uma boa parte da crítica, principalmente a brasileira e a européia (com exceção, talvez, da Inglaterra), e a comercial.

 Eu, como todo escritor, e aspirante a escritor, devo ler bastante, tanto livros de autores consagrados como de novos escritores, sejam os já publicados ou os milhares de blogueiros (Alma Acreana, um blog que adoro!) espalhados pelo país e pelo mundo. Naturalmente, reflito sobre aquilo que leio, tento identificar o que ficou bom e o que ficou ruim. Infelizmente, vejo muita coisa ruim. E vejo muita gente que produz coisas ruins reclamar de poucas oportunidades no mercado editorial. Sei que eles têm razão, as oportunidades são poucas, mas um pouco de cuidado com o texto poderia facilitar. Foi então que me ocorreu: como fazer para escrever bem?   

Menciono o livro “Os segredos da ficção”, do Raimundo Carrero (três prêmios jabuti). É uma obra que vale a pena ser lida. Não é livro de auto-ajuda, mas ensina muito. O autor mostra que a literatura está ao alcance de todos àqueles que têm o impulso de criá-la e, também, a perseverança de trabalhar duro para transformar suas idéias em contos, novelas, romances, artigos, poemas. Se não há receitas para a boa literatura, existem, sim, caminhos para chegar a ela. E é nestas trilhas que o autor guia o leitor, falando diretamente a ele com a ajuda de ilustres gênios de diversos estilos e épocas que têm em comum a disciplina e o rigor na criação de seus universos ficcionais. Dois de meus autores favoritos, Mario Quintana e Machado possuem estilos fabulosos, fantásticos que os fizeram grandes nomes na literatura mundial. O primeiro é conhecido pela genial simplicidade de seus textos, por isso, certamente, é considerado um dos maiores poetas brasileiros do século XX, pertencente à segunda geração do Movimento Modernista. Com um estilo tranqüilo e introspectivo, Quintana não se sentia à vontade para falar de sua vida pessoal. Em uma entrevista, chegou a dizer que a sua vida estava descrita nos seus poemas. “Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão”. O segundo, Machado Assis, possui estilo sutil e irônico. Suas crônicas são atuais até hoje, pois remetem a reflexões profundas de fatos corriqueiros, tocando na essência daquilo que observava com um meio riso de contemplação e quase sempre esse riso traz, implícita ou explicitamente, uma advertência. Em Machado de Assis, o fato em si tinha menor importância, o que interessava era a reflexão que esse fato provocava. Ao contrário de Flaubert – que esquecia do narrador por detrás da objetividade narrativa, e os naturalistas, à exemplo de Émile Zola, narrava todos os detalhes do enredo – Machado de Assis optou por abster-se de ambos os métodos para cultivar o fragmentário e interferir na narrativa com o objetivo de dialogar com o leitor, comentando seu próprio romance com filosofias, metalingua-gens, intertextualidade. Defendo, por isso, como orientação para aqueles que participam da Roda de Poesia, aqui no Acre, que cada escritor procure encontrar o seu estilo, a sua forma de lidar com as palavras, sem se preocupar com o julgamento dos outros. Grande parte da crítica se dá por afinidade, por gosto: e é assim que deve ser. Neste contexto, já ouvi umas pessoas dizerem que escrever bem é cortar palavras (é, repetindo Carlos Drummond de Andrade) e outras afirmarem que para se produzir um bom texto é preciso descrever bem a cena, com detalhes, para permitir que o leitor se envolva com o texto.

De fato, existem estas duas formas de se produzir literatura, e milhares de outras formas intermediárias ou até mesmo totalmente diferentes. Todas elas podem fazer sucesso e podem, também, ser bem aceitas pela crítica. Como falei anteriormente, em geral, é uma questão de gosto. Resta ao escritor produzir o máximo que puder, reler, corrigir, re-escrever. Resta a ele também mostrar o seu texto para outros, receber as críticas e, claro, saber diferenciar os comentários que se referem ao seu estilo daqueles que apontam para melhorias significativas em sua produção. Certamente, é uma tarefa difícil, mas ninguém disse que escrever bem é tarefa fácil.

DICAS DE GRAMÁTICA

FUI EU QUE FIZ, FUI EU QUEM FEZ OU FUI EU QUEM FIZ?
– Todas estão corretas. Vejamos:
Fui eu que fiz – Justificativa – O verbo que tem como sujeito o pronome relativo que concorda em número e pessoa com o antecedente, a palavra que precede esse pronome. Exemplos: “Foi ele que te nomeou”, “Sou eu que vou agora.
Fui eu quem fez – Justificativa – Se o sujeito é o pronome relativo quem, o verbo, geralmente, permanece na terceira pessoa do singular. Exemplos: “Foi ele quem te nomeou”, “Sou eu quem vai agora”, “Fomos nós quem escreveu a carta”.
Fui eu quem fiz – Justificativa – Se o sujeito é o pronome relativo quem, o verbo pode ser influenciado pelo sujeito da oração anterior, com o qual acaba concordando. Exemplos: “Sou eu quem vou agora”, “Fomos nós quem escrevemos a carta”.

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá. Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pesquisadora Sênio da CAPES.

 

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